PARA ALGUNS SOBREVIVENTES, os receios de outros
cidadãos japoneses transformaram-se num fardo
mais pesado do que as sequelas da radiação. Shoso
Kawamoto tinha 11 anos quando a bomba explodiu.
Perdeu os pais, duas irmãs e um irmão. A única irmã
sobrevivente morreu com leucemia aos 17 anos.
Embora órfão, teve sorte: Rikiso Kawanaka, proprie-
tário de uma fábrica de molho de soja na aldeia de
Tomo, a dez quilómetros de Hiroxima, acolheu-o.
Rikiso alimentou e vestiu Shoso. Também lhe
fez uma oferta invulgar: se o rapaz concordasse
em trabalhar durante 12 anos sem receber salário,
dar-lhe-ia uma casa. Os anos passaram. Quando
completou 20 anos, Shoso conheceu uma mulher
chamada Motoko. Era bonita e boa conversadora.
Estava a aprender a fazer vestidos e quimonos.
Apaixonaram-se. Quando fez 23 anos, Rikiso
Kawanaka cumpriu a sua parte do acordo e ofere-
ceu a Shoso Kawamoto a casa que lhe prometera.
Com habitação própria, Shoso sentiu-se prepara-
do para pedir ao pai de Motoko para casar com a
sua filha. No entanto, o pai dela sabia que Shoso
era de Hiroxima. Disse-lhe que as crianças resul-
tantes do seu casamento poderiam nascer defor-
madas devido à radiação (na verdade, não se veri-
ficaram quaisquer efeitos na saúde dos filhos dos
sobreviventes de Hiroxima). Proibiu a sua união.
Shoso ficou destroçado. Dois dias após a recu-
sa do casamento – tal como aconteceu a muitos
hibakusha – demitiu-se, abandonou a casa pela
qual tanto se sacrificara e deixou a aldeia. Nunca
voltou a reencontrar Motoko e nunca mais se en-
tregou ao amor, temendo vir a sofrer mais. A sua
vida entrou numa espiral descendente. Diz que
jogou e envolveu-se com gangsters, os yakuza.
Ponderou a hipótese de cometer suicídio.
Um dia, arranjou emprego numa loja de mas-
sas. As suas oportunidades eram limitadas pelo
facto de só ter o sexto ano de escolaridade e de ser
um hibakusha. Aos 70 anos, regressou a Hiroxi-
ma, onde finalmente encontrou paz. Actualmente
com 86 anos, é um ancião respeitado. Hoje, veste
um colete de algodão e um chapéu de palha. Pode
ser visto a tirar aviões e grous de origami de um
saco de compras e a oferecê-los às crianças que vi-
sitam o Museu Memorial da Paz de Hiroxima. Se
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