National Geographic - Portugal - Edição 231 (2020-06)

(Antfer) #1
ARRÁBIDA 63

vera, transplantadas para áreas iniciais superiores
a seis metros quadrados. Passados dez anos, um
dos ensaios já expandiu mais de dez vezes a área
original, ocupando hoje 115 metros quadrados.
A limitação da quantidade de plantas que se
pode retirar da ria Formosa para a Arrábida é o
maior obstáculo à continuidade do projecto em
larga escala. Actualmente, são feitos transplan-
tes experimentais em pequena escala para não
colocar em risco a biomassa das populações da-
doras, também elas sob pressão. Neste momen-
to, os cientistas do CCMAR tentam transplantar
plantas do estuário do Sado para a Arrábida,
procurando replicar o sucesso registado com os
transplantes da ria Formosa.
Como nos transplantes de espécies vegetais
em terra, o objectivo dos transplantes no mar é
permitir que as pradarias cresçam de forma na-
tural. Os investigadores sabem que o processo
de recuperação, apesar de lento, é possível na
Arrábida. A conversa com o investigador recor-
da-me a nossa imersão, a observar o movimento
das plantas ao sabor da pequena ondulação que
se fazia sentir, transformando o tapete verde
numa espécie de bailado sem fim.


NOS TRABALHOS CIENTÍFICOS EM CURSO na Arrá-
bida, equipas diferentes complementam-se. Os
censos são um elo fundamental no fluxo da infor-
mação recolhida no parque. A coordenar esta
linha de investigação está o Departamento de
Biologia do ISPA liderado por Emanuel Gonçalves,
apoiado pelo biólogo e estudante de doutora-
mento Gustavo Franco.
“Os censos fornecem inúmeras respostas de-
cisivas para compreender a evolução do parque
marinho. Fazemos censos em substrato rochoso
até aos 12 metros por observação directa com
escafandro autónomo desde 2006”, diz. Com
estruturas fixas e derivantes equipadas com câ-
maras de vídeo, a equipa começou igualmente a
cartografar a vida marinha em habitat rochoso
e arenoso até à cota de 100 metros desde 2019.
“Hoje conseguimos perceber que houve um
aumento populacional e de biomassa e que en-
contramos, por exemplo, maiores exemplares de
sargo, sargueta, sargo-veado e pargo-sêmea.”
Entretanto, o melhor conhecimento das pro-
fundezas começou a alimentar uma hipótese
inesperada. Têm surgido evidências de que o tu-
barão-azul poderá ter uma zona de maternidade
em redor do parque marinho, numa área próxi-
ma das 15 milhas náuticas. “Durante a Primavera


e Verão, temos filmado inúmeros juvenis da es-
pécie”, diz Gustavo Franco.
“A monitorização permanente oferece dados
muito fiáveis e o aumento das descargas em lota
da pesca local são uma prova de sucesso”, diz. Há
duas décadas, os jornais da região amplificaram
o sentimento das comunidades piscatórias, que
temiam pelo futuro do seu modo de vida caso o
plano de ordenamento do parque impusesse res-
trições de usufruto das águas. Agora, os dados do
investigador são encorajadores e confirmam um
sentimento de esperança que ecoa no mar da Ar-
rábida. “Os frutos do trabalho realizado já estão à
vista de todos”, remata Gustavo Franco.
Os benefícios de um parque marinho também
se sentem na própria comunidade piscatória lo-
cal, mesmo que, ao primeiro embate, se registe
alguma ondulação encapelada. O aumento da bio-
massa traduz-se em maiores capturas nas zonas
adjacentes da reserva. A interdição de algumas ar-
tes de pesca dentro do parque, como a ganchorra,
beneficiou a recuperação das pradarias marinhas.
O esforço de vigilância levado a cabo pelo ICNF
e pela Polícia Marítima, mesmo com falhas, tem
permitido reduzir a pesca clandestina e as acções
de surpresa são dissuasoras. Nunca se conseguirá
extinguir por completo algumas actividades ile-
gais, mas, mesmo com recursos escassos, há re-
sultados interessantes.

ACOMPANHO UMA MISSÃO DE COMBATE à pesca
ilegal na Arrábida para sentir na pele as dificuldades
que se colocam nestas iniciativas. Numa espécie de
táctica militar, saímos para o mar em plena noite
sem qualquer luz de presença na embarcação.
O vigilante do ICNF que coordena a fiscalização está
de olhos na bússola. É conhecido como Carlos
“Lobo-do-mar”, pois navega nestas águas desde
criança e não existe recife ou banco de areia que não
conheça. Aquilo que para qualquer um seria navegar
quase às cegas é para ele uma volta de rotina.
“Temos mesmo de navegar às escuras para não
sermos vistos”, explica. “Os poucos prevaricado-
res que ainda existem estão bem organizados e re-
correm a uma espécie de olheiros, provavelmente
pagos, que comunicam quando a fiscalização sai
para o mar, afirma o vigilante.
Neste jogo permanente do gato e do rato e com
o mar de mau humor, aproximamo-nos da costa
da Arrábida. Pequenos pontos de luz vão surgindo
no horizonte, mas o nosso “Lobo-do-mar” conhe-
ce de cor todas as pequenas embarcações de pesca
artesanal que estão autorizadas a operar na área.
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