O Estado de São Paulo (2020-06-07)

(Antfer) #1

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B6 Economia DOMINGO, 7 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


PAULO


LEME


OS


danos causados pelo
coronavírus são enor-
mes. A nível mundial,
o número de casos confirmados bei-
ra 7 milhões, enquanto que o núme-
ro de mortos chega a 400 mil. Dada
a escassez de testes, a Universidade
de Miami estimou que o número
real de casos talvez seja 16 vezes
maior do que aqueles reportados pe-
la Universidade de Johns Hopkins.
O outro lado da tragédia humana
é a destruição de empregos, a falên-
cia de empresas que operam nos se-
tores mais afetados pelo lockdown,
e a pior recessão registrada desde a
grande depressão de 1929. Por es-
sas razões, em seu relatório de abril
de 2020, o FMI previu que o PIB

mundial cairá 3% e que este levará 18
meses até voltar ao nível registrado
antes da pandemia.
Vários dados, eventos clínicos e
programas de estímulos fiscais e mo-
netários divulgados desde abril me
deixam mais otimista em relação ao
futuro. As economias avançadas e a
China mostram uma queda significa-
tiva no número de casos e de mortes,
permitindo a reabertura de suas eco-
nomias. O risco é que ainda não te-
mos nem o volume de testes confiá-
veis nem os mecanismos de rastrea-
mento adequados para debelar novos
focos de infecção.
Os dados de atividade econômica
de alta frequência de China, EUA e Eu-
ropa mostram que o processo de recu-

peração já começou, o que em grande
parte é resultado da reabertura e dos
programas de estímulos macroeconô-
micos. Alguns exemplos são a recupe-
ração da produção industrial, vendas
no varejo, consumo de energia, logísti-
ca, congestionamento de trânsito, mo-
bilidade das pessoas, e viagens.
O valor dos programas de estímulos
fiscais e monetários adotados pelas
economias avançadas e, em menor
grau, nas economias emergentes, é de
tal magnitude que é provável que o
mundo será capaz de evitar uma de-
pressão econômica. Os bancos cen-
trais têm cumprido à risca o seu papel
de prestamista de última estância:
eles reduziram as taxas de juros reais
abaixo de zero; expandiram os seus ba-
lanços para comprar ativos de risco do
mercado; e aumentaram as reservas
bancárias, o que permite que os ban-
cos possam expandir o crédito.
A atuação dos bancos centrais nor-
malizou o funcionamento dos merca-
dos financeiros e evitou uma grande
crise bancária. Ao reabrir os mercados
de capitais e de crédito, os bancos cen-
trais ajudaram as empresas a aumen-
tar o caixa. Isso permitirá que as em-
presas que mais foram afetadas pelo
lockdown sobrevivam, o que é vital pa-

ra reduzir o desemprego.
Mas o maior efeito da política mone-
tária foi a forte recuperação dos merca-
dos financeiros. Em menos de um
mês, o índice da Bolsa americana S&P
500 caiu 34%; mas, alimentado pelo
excesso de liquidez global, em dois me-
ses o índice S&P 500 se recuperou, fi-
cando só 6% abaixo do seu recorde de
3.393 pontos.
As empresas que se mais beneficia-
ram do lockdown iniciaram a recupe-
ração da Bolsa americana. Na medida
em os primeiros sinais de reativação
econômica vieram, o rali da Bolsa se
estendeu para os setores que mais so-
freram, tais como energia, bancos e
viagens. Na sequência, os investido-
res se redirecionaram para o merca-
do de renda fixa, reduzindo o prêmio
de risco das empresas no segmento
de grau de investimento e depois de
high yield. O próximo destino dos flu-
xos de capitais serão os emergentes.
Nesse cenário mais otimista, é pro-
vável que a economia mundial cresça
gradualmente a partir do 3.º trimestre
de 2020 e que o crescimento do PIB
mundial chegue a 6% em 2021. Essa
recuperação é fundamental para redu-
zir o risco de instabilidade política ad-
vinda de protestos e distúrbios so-

ciais, tais como os que estamos vi-
vendo hoje nos EUA.
Esse cenário positivo ainda é
frágil e só vai se consolidar se atuar-
mos de forma científica para evitar
novas ondas de contágio. Isso exigi-
rá que os líderes políticos mundiais
cumpram três tarefas.
A primeira é seriedade na gestão
pública, respeito às instituições e
um espírito de cooperação entre as
nações, evitando as perigosas guina-
das protecionistas e promovendo o
intercâmbio científico para encon-
trar tratamento e vacinas eficazes
para combater o coronavírus. A se-
gunda é investir na área da saúde,
aumentando exponencialmente a
quantidade e a confiabilidade dos
testes e desenvolvendo mecanis-
mos de rastreamento do coronaví-
rus. A terceira é anunciar uma estra-
tégia de saída para reduzir os eleva-
dos níveis da dívida pública, limpar
o balanço dos bancos centrais e nor-
malizar a política monetária.

]
PROFESSOR DE FINANÇAS NA UNIVERSI-
DADE DE MIAMI E PRESIDENTE DO EXECU-
TIVO COMITÊ GLOBAL DE ALOCAÇÃO, XP
PRIVATE

ALEX SILVA / ESTADÃO

Quartos de hotéis


viram escritórios


em meio à crise


Redes Accor e Bourbon trocam camas por mesas e oferecem


espaços a partir de R$ 2 mil por mês a profissionais e empresas


Nova função.
A startup
Apps2mart
alugou quarto
no Bourbon

O hóspede que chega ao hotel
Vivenzo Savassi não encontra
mais o recepcionista face a face.
Um tablet, ainda do lado de fo-
ra, permite o check-in a distân-
cia. Ao chegar ao balcão, encon-
tra máscaras e pode higienizar a


mão em álcool em gel. As refei-
ções são servidas diretamente
nos quartos, que passa por faxi-
na a cada três dias, com funcio-
nários cobertos dos pés à cabe-
ça. O Vivenzo Savassi – que fica
em um bairro nobre de Belo Ho-
rizonte – é o projeto-piloto de
uma startup de hospedagem da
capital mineira. A “prova de fo-
go” da operação foi manter as
portas abertas em meio à proli-
feração da covid-19 – preparar o
protocolo para seguir em fun-
cionamento custou R$ 150 mil,

segundo a empresa.
De acordo com Frederico
Amaral, fundador do grupo
Macna, do qual o hotel Vivenzo
faz parte, 2020 vai ser um teste
de sobrevivência para o setor
hoteleiro. De março para cá, diz
ele, foi impossível manter as
contas no azul – mas, com a re-
cuperação parcial da atividade,
o empreendedor de 48 anos diz
esperar fechar junho no “zero a
zero”. Apesar do efeito desola-
dor da pandemia no setor de tu-
rismo, Amaral não pretende ti-

rar o pé do acelerador. “A gente
não vai frear nada. Os cinco ho-
téis que estão previstos serão
abertos. O setor vai ter de se re-
desenhar – e nós saímos na fren-
te nesse processo.”
Para enfrentar as redes hote-
leiras tradicionais, a Macna de-
senvolveu um sistema em que a
parte administrativa de todos
os hotéis é gerenciada a partir
de uma estrutura central unifi-
cada. Não é o que ocorre nas re-
des tradicionais, nas quais as
unidade costumam ser indepen-
dentes e funcionam como uma
espécie de franquia. Isso obriga
que essas estruturas sejam repli-
cadas em cada hotel. / F.S.

Fernando Scheller


Sem perspectiva de recupe-
rar o nível de ocupação do iní-
cio deste ano antes de 2023,
hotéis aproveitam a reabertu-
ra gradual da economia para
buscar opções de receita en-
quanto as viagens a trabalho
e a turismo não dão sinais de
recuperação. Uma das alter-
nativas encontradas por
duas redes – a francesa Accor,
dona de marcas como Ibis e


Mercure, e a paranaense
Bourbon – foi transformar
quartos vazios em escritó-
rios. Com uma remodelação
rápida – saem camas e cria-
dos mudos, entram escrivani-
nhas e cadeiras –, as compa-
nhias já começaram a alugar
os espaços por valores men-
sais a partir de R$ 2 mil.
Estudo da consultoria Hotel
Invest mostrou que a situação é
ruim para todo o setor, mas es-
pecialmente difícil para os ho-

téis de médio e alto padrão vol-
tados para o mercado corporati-
vo. Enquanto os hotéis econô-
micos podem chegar a 35% de
ocupação média até o fim do
ano, os empreendimentos de
maior valor devem ficar próxi-
mos à marca de 25%. Ou seja:
um hotel de 300 quartos vai ter,
em média, 75 unidades ocupa-
das, resultando em um quase
inevitável prejuízo.
Em busca de saídas criativas
para conter os efeitos da crise

do coronavírus, a Accor – líder
no mercado brasileiro – resol-
veu agir rápido. Em maio, lan-
çou um produto apelidado de
“Room Office”, ou quarto-escri-
tório. A operação começou pela
rede Ibis, em 25 unidades. “Co-
meçamos por São Paulo e logo
percebemos uma demanda ab-
surda para replicar em outros
Estados”, conta Carlos Bernar-
do, diretor de hotéis econômi-
cos e de médio padrão da Accor.
Até o próximo dia 12, de acor-
do com Bernardo, mais 43 ho-
téis pelo País vão começar a ope-
rar o modelo. Como os em-
preendimentos são indepen-
dentes, a equipe de administra-
ção de cada hotel pode definir o
tamanho do “Room Office” –
pode separar uma ala de um an-
dar, ou então um piso inteiro. O
modelo de locação é flexível: “O
cliente pode reservar por dia,
por semana ou por mês”, expli-
ca o executivo.
Para aluguel mensal, os quar-
tos da Accor saem entre R$ 2,2
mil e R$ 3,1 mil, dependendo do
tamanho. Além do escritório, o
hotel também oferece como
cortesia café e lanchinhos, além
de servir refeições pelo serviço
de quarto. Cada unidade pode

comporta até dois trabalhado-
res. A Accor ainda busca formas
de reabrir seus hotéis no Brasil.
Das 300 unidades da rede fran-
cesa por aqui, mais da metade
está de portas fechadas.
Segundo maior hotel da
América Latina, o Bourbon Con-
vention Ibirapuera, em São Pau-
lo, tem 630 unidades e cerca de
70% do movimento concentra-
do no turismo de negócios. O
hotel é conhecido pela grande
área de eventos, que tem capaci-
dade para acomodar até 1,5 mil
pessoas. Depois de passar mais
de dois meses fechada, o Bour-
bon Ibirapuera reabriu agora –
e também aposta nos “quartos-
escritório” para sobreviver.
Segundo Fabiano Machado,
diretor geral do empreendimen-
to, 60 apartamentos estão sen-
do transformados em escritó-
rios. Cada unidade tem 28 me-
tros quadrados e pode acomo-

dar até quatro pessoas. Além de
ocupar quartos ociosos, o Bour-
bon espera que os escritórios
também ampliem o movimen-
to do restaurante do empreen-
dimento, no qual é possível en-
comendar um almoço executi-
vo por cerca de R$ 50. Como no
Ibis, o cafezinho é cortesia.

Privacidade. Machado diz que
o espaço privativo é o principal
diferencial dos hotéis em rela-
ção a outras opções de escritó-
rios temporários. “Além disso,
o hotel não exige contrato e
nem qualquer obrigação futura.
O cliente pode pagar no cartão
de crédito.” Um quarto-escritó-
rio no Bourbon Ibirapuera sai
por cerca de R$ 3 mil ao mês. A
empresa deve ampliar a oferta
para Curitiba e Campinas (SP).
O empreendedor Rudge Ma-
siero de Aquino, fundador da in-
cubadora de startups Ideas, ade-
riu à proposta do Bourbon Ibira-
puera logo nos primeiros dias.
Ele usou a possibilidade de
montar um escritório novo sem
burocracia para separar uma
das cinco empresas de seu port-
fólio das demais. “É uma forma
de fazer o empreendedor ga-
nhar velocidade, pois os custos
da companhia não ficam mais
misturados às das outras (incu-
badas). É uma forma de incenti-
var a busca do break-even (equilí-
brio financeiro).”
A empresa de sinalização digi-
tal Apps2mart foi a escolhida pa-
ra ocupar um “quarto-escritó-
rio”. A companhia vende uma
solução que permite que super-
mercados façam promoções de
determinados itens de seu esto-
que em telões instalados no
ponto de venda. “Em um clique,
a empresa pode mostrar a foto
do produto, a descrição e o pre-
ço a partir da informação que
consta do inventário”, explica.
Aquino explica que prefere o
ambiente do hotel a um
coworking principalmente tam-
bém para se proteger da concor-
rência. “No coworking, além de
sua ideia poder ser copiada, exis-
te uma interação entre as em-
presas. Isso abre a possibilida-
de de uma outra startup identifi-
car um bom funcionário e levá-
lo para trabalhar com ela. Você
gasta para treinar um trabalha-
dor e alguém acaba levando a
pessoa embora. A gente acaba
servindo de filtro de profissio-
nais de outra empresa.”

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Startup hoteleira diz que vai abrir 5 unidades em 2020


Como seria viver uma quarentena com a internet dos anos 2000? Pág. B8}

Vislumbrando


um futuro melhor


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PAULO LEME ESCREVE MENSALMENTE

WASHINGTON ALVES /ESTADAO -28/5/2020

Cuidado. Hotel gastou R$ 150 mil para combater covid-19

‘Prova de fogo’ para o


hotel Vivenzo, de Belo


Horizonte, foi manter as


operações mesmo com


a chegada da covid-19


NA WEB
Limpeza. Por trás
de um hotel em
meio à pandemia

estadao.com.br/hotelsavassi
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