Crusoé - Edição 112 (2020-06-19)

(Antfer) #1
19/06 / 20 REPORTAGEM

Inquérito legitimado


De novo, as circunstâncias se
sobrepõem à lógica e a
jurisprudência se rende à ocasião:
graças à sanha dos radicais
bolsonaristas, o Supremo chancela
o "inquérito do fim do mundo"


Fabio Leite

“Podem espernear à vontade,
criticar à vontade, quem interpreta
o regimento do STF é o STF.”
Quando o ministro Alexandre de
Moraes rebateu, no tom que lhe é
peculiar, as críticas feitas ao
“inquérito do fim do mundo”, em
março de 2019, ele sabia que não
falava em nome da corte. A
investigação entregue ao seu
comando pelo presidente Dias
Toffoli, supostamente para apurar
ameaças, ofensas e notícias falsas
contra os magistrados, estava longe


de ser um consenso no Supremo.
Alguns pares, como Luiz Fux,
manifestaram-se publicamente contra
o polêmico procedimento naquele
momento, seja pela forma – uma
investigação aberta e conduzida por
um juiz –, seja pelo objeto,
considerado amplo e genérico.

Fosse há alguns meses, a
interpretação suscitada por
Alexandre sobre o artigo do
regimento usado por Toffoli para
embasar o inquérito atípico revelaria
claras divergências entre os ministros.
E o julgamento sobre a legalidade da
investigação, provavelmente, teria
rumo. Só que a sanha da militância
bolsonarista contra a Suprema
Corte, com direito a um ataque
pirotécnico sobre a sede do tribunal
em Brasília, no último sábado, 13,
acabou legitimando o famigerado
inquérito. E uniu os ministros, que

vinham demonstrando uma nítida
divisão nas votações mais
importantes da corte, como a que
levou casos de corrupção
relacionados à caixa 2 de campanha
para a Justiça Eleitoral e a que
revogou a prisão após condenação
em segunda instância.

Por esmagadora maioria, 10 a 1,
o STF decidiu nesta quinta-feira, 18,
pela constitucionalidade e
manutenção da investigação iniciada
há mais de 450 dias, mantendo o
temor no Palácio do Planalto quanto
à possibilidade de surgir uma bala de
prata contra o presidente Jair
Bolsonaro, que poderá ser usada nas
ações eleitorais que pedem a
cassação da chapa presidencial. À
exceção do ministro Marco Aurélio
Mello, que fulminou o “inquérito
natimorto” por considerá-lo
“inquisitorial”, os demais membros
do STF externaram suas indignações
contra os ataques sofridos pelos
ministros nas redes sociais e
disseram, cada um a seu modo, que
a liberdade de expressão não pode
servir como escudo para práticas
criminosas. Entenderam que, diante
da “inércia” dos demais órgãos de
investigação, como a Polícia Federal
e a Procuradoria-Geral da
República, sobre as ameaças e
ofensas dirigidas aos magistrados, o
Supremo tem o poder de investigar
os fatos por conta própria e remetê-
los para julgamento nas cortes
competentes.
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