Valor Econômico (2020-06-20, 21 e 22)

(Antfer) #1

JornalValor--- Página 8 da edição"22/06/20201a CADA" ---- Impressa por LGerardi às 21/06/2020@20:20:


A8|Valor| Sábado,domingoe segunda-feira, 20, 21 e 22 de junhode 2020

Política


IMPACTOSDO


CORONAVÍRUS


ExecutivoSubstitutodeMorotem


sidofiguracentralnogoverno


Mendonça


ganha espaço


e vira ministro


“palaciano”


Mendonça:titulardaJustiçatemestadoquasediariamentecomnoPlanalto e é vistocomumdosprincipaisconselheiros deBolsonaro naatualcrise

DENIO SIMÕES/VALOR —2/9/

LuísaMartinse MatheusSchuch
De Brasília

As sucessivas crisespolíticas
que atingiram ogovernofederal
alteraramo rumoda carreira de
André Mendonça, queiniciou
2019 comoum técnicoque che-
garaao topoda carreira da Ad-
vocacia-Geral da União(AGU) e,
agora, éum dos principaiscon-
selheirosdo presidente Jair Bol-
sonaro. Desde que assumiuo
cargo de ministroda Justiçae
SegurançaPública,apósa saída
de Sergio Moro, tem sido uma fi-
guracentralno Executivo,em
meioàs tensõesque circundam
opresidentee seus aliados. Sua
assiduidade na agendado chefe
étamanhaque,nos bastidores,
ele já foi elevadoao statusinfor-
mal de ministro “pa laciano” —
referência aos que trabalhamno
Paláciodo Planalto esão mais
próximosdo presidente.
Interlocutor de Bolsonaropa-
ra discutir os cadavez maisfre-
quentesembatescomoSupremo
TribunalFederal(STF),Corteque
umdiaalmejaintegrar,Mendon-
ça encontrou-se com opresiden-
te em 29 dos últimos35 dias
úteis.Considerandoque Bolso-
naroviajounesteperíodo, tem-
se que éraro o dia em que omi-
nistrodaJustiçanãodespachano
Planalto(Moro,seu antecessor,
esteve no Palácio11 vezesem
seusúltimos35diasnocargo).
Enquantoisso,oministro-che-
fe da Advocacia-GeraldaUnião

(AGU), José Levi, teve 15 reuniões
com opresidente no mesmope-
ríodo, segundoas agendasofi-
ciais.A diferença chamaa aten-
çãoporsedarjustamentenomo-
mentoem que ogovernoestá
sendo repetidamente demanda-
do na Justiça, principalmenteem
razãoda pandemiado novoco-
ronavírus.Sónasemanapassada,
pelo menos90 processos de inte-
resseda Uniãochegaram aos ga-
binetesdoSupremo.
Mesmo“pr omovido” de AGU a
ministrodaJustiça—consequên-
cia da dançadas cadeiras ocasio-
nadapela saídadeMoro—,Men-
donçaparece não ter abandona-
do aveia da advocacia. Apesarde
nãoserexatamenteatribuiçãode
sua pasta,recentementeele to-
mou a dianteira em algumas
frentes judiciais para proteger
Bolsonaroeseugrupopolítico.
Foi Mendonçaquemimpetrou
um habeascorpus(HC)no Su-
premo, em 28 de maio, para que
o entãoministroda Educação,
AbrahamWeintraub,fosse ex-
cluído do inquérito das “fake
news”. O pedidofoi rejeitado pe-
loplenáriovirtual.
O ministroantevia oresultado.
Com20anosdecarreiranaadvoca-
cia pública, estava cienteda súmu-
ladoSupremoquenãopermiteHC
contraato de qualquer um de seus
juízes.Ainiciativa foi puramente
política, para mostrarque oExecu-
tivo estava atento a supostos abu-
sosdoJudiciário,disseaoValorum
auxiliarpróximoaoministro.

O HC em favor de Weintraub
foi costuradoem um encontro
no Paláciodo Planalto,que esta-
va insatisfeitopor ter sidoex-
postono vídeoda reunião inter-
ministerialde 22 de abril—oca-
sião em que oex-chefedo MEC
chamou os magistradosdo STF
de “vagabundos”.
Cogitou-seque oprópriopre-
sidenteajuizasseopedidoou até
mesmoque apetiçãofosseassi-
nadapor todosos ministrosde
Estado, mas Mendonçapuxoua
responsabilidade para si, evo-
candoobomtrânsitoquedefato
tementreministrosdoSupremo.
Fontesligadas aLevi afirma-
ramqueohabitualseriaquea
AGU—aquemcabeadefesado
governona Justiça—tivessesido
acionadaprimeiroparaencam-
par a estratégia. Porém,comoa
Constituiçãopermiteque qual-
querpessoaimpetreHCemfavor
de quemquerque seja, não seria
ocasodeapontarilegalidade.
Entreministros da Corte, o
entendimentofoi parecido. Ma-
gistrados disseram reservada-
mente aoValorque o fato de o

autorser o ministroda Justiça,e
não o AGU, éinusual—mas que,
diantedo tom antidemocrático
ultimamenteadotadopor gru-
pos bolsonaristas,éde se come-
morarque as insatisfações do
governo cheguem ao tribunal
pelasvias recursais.“Faz parte
do jogo”, disseum deles.
Em outrasfrentes,Mendonça
determinou à Polícia Federal
(PF) aaberturade dois inquéri-
tos: um paraapuraro vazamen-
to de dadospessoaisde Bolsona-
ro e familiarespelogrupoha-
ckerAnonymous; eoutropara
investigarapublicação, pelo jor-
nalistaRicardoNoblat,de uma
chargeque insinuava um flerte
do presidentecom o nazismo.
A atuação proativade Men-
donça,que não era adotadapelo
antecessor, évista por auxiliares
comoumaestratégiade “fideli-
dade” ao governo, comvistasa
umafuturavagano STF. Para a
próxima, que abre em novembro
coma aposentadoria do minis-
tro Celsode Mello,Bolsonaroes-
tá inclinadoa indicaro ministro
da Secretaria-Geral da Presidên-

cia, JorgeOliveira,outrode seus
conselheiros sobreo STF. Porém,
aindaháquemtenteconvencê-lo
de que Mendonçacumpreme-
lhor o requisitodo “notóriosa-
ber jurídico”, exigidoparaocu-
par umacadeirana Corte.Além
disso, por ser pastor,enquadra-
se no quesito “terrivelmente
evangélico” que Bolsonarobusca
vernoplenáriodoSTF.
Aliadosdo presidenteenxer-
gamem Mendonçaum movi-
mentonatural,devidoà proxi-
midade que vem construindo
comBolsonarodesde2018.De
merodesconhecido—opresi-
denteoescolheuadvogado-ge-
ral da Uniãono dia em que Oli-
veiraos apresentou —, virouho-
memde confiança.
Arelaçãofoi se estreitandoà
medidaem que Bolsonaropas-
sou adivergirde Morocom mais
veemência.“O presidentejá ti-
nha afinidadecom Andrédesde
a AGU. Inclusivetratava com ele
questões que deveriamser trata-
das comoMJ. Isso é política,a
genteouvequemconfia”, expli-
couumafonte.Alçadoaministro

da Justiça,foi a vez de ele próprio
sugerirqueLeviparaaAGU.
O atualadvogado-geral, ex-
procurador-geraldaFazendaNa-
cional,édiscreto, foca sobretudo
naáreaeconômicaepraticamen-
te só se manifestanos autosdos
processosde interesseda União
no STF. Em dois mesesde gestão,
protocolou 135 peçasjudiciais,
59 memoriais e fez seis sustenta-
ções oraisno plenárioda Corte.
Pouco afeito às redes sociais,não
dá declaraçõespúblicasde tom
político. Sexta-feira, em “li ve”
promovida pela TV Conjur, afir-
mou ter “fé nas instituições,fé na
democracia eno diálogoentre
pessoasdeboavontade”.
Não é primeiravez que um mi-
nistrodaJustiçadesempenhapa-
pel políticoparaajudaro presi-
dentea gerircrises.Isso ocorreu,
por exemplo,duranteoescânda-
lo do mensalãono governo do
ex-presidente Luiz InácioLula da
Silva,no impeachment da ex-
presidenteDilmaRousseffetam-
bém quandooex-presidenteMi-
chel Temer enfrentou denúncias.
(Colaborou IsadoraPeron)

Guedes negocia agenda


pós-pandemiacom Centrão


RaphaelDi Cunto e LuAikoOtta
De Brasília

Preocupadoem evitar que a re-
cessãocontratada para este ano se
converta em umadepressão eco-
nômica, o ministro da Economia,
Paulo Guedes, acelerou nos últi-
mos diasas articulações em torno
dasreformas,deolhonaretomada
daatividadenopós-pandemia.
Comexceçãodo RendaBrasil,
novoprogramaque substituiria
o auxílioemergencialeoBolsa
Família,apauta continuaames-
ma que éprioridadedesdeantes
do iníciodo governoBolsonaro:
privatizações,estímuloà investi-
mentos privadosno saneamen-
to,leidogásereformatributária.
O ministro,contudo, intensifi-
cou reuniõescom parlamentares
acreditandoque a própriapan-
demiamudaráasperspectivasde
aprovação dessas propostas.
Alémdisso,pela primeiravez, o
presidente Jair Bolsonarotem
uma base parlamentarmaissóli-
da no Congresso, apósaproxi-
mar-sedo Centrão.Se antescon-
tavasócom50deputadosdoPSL,
agoraatroca de cargoscom par-
tidoscomoPP,PL, PSD eRepubli-
canosfaz o Executivoacreditar
que contariacom pelomenos
200 votosmaisfiéis —além de
partidosque costumamapoiara
agendaeconômica, comoDEM,
PSDB,MDB,CidadaniaeNovo.
Guedes reuniu-se individual-
mentecom líderes de algunsdes-
ses partidos nas últimas duasse-
manas paraconversar sobre essa
agenda. A expectativa na área eco-
nômicaéque omarco regulatório
do saneamento seja o primeiro da
lista aser aprovado—oSenado

marcou a votação para terça-feira.
A nova lei impõe investimentos de
R$ 700 bilhões até 2033eestimula
privatizações, em detrimento das
empresasestatais.
Para umatramitaçãomaisrá-
pida,o relatorda matéria, sena-
dor Tasso Jereissati (PSDB-CE)
deixouo textotal comorecebido
da Câmarados Deputados.Os
pontos que precisariamser mu-
dadosserãovetadospelopresi-
denteJairBolsonaro.
Naopiniãodaáreaeconômica,
aaprovaçãoseráumsinalimpor-
tanteemfavordaoaumentode
investimentosprivadosemos-
traráaos investidoresque o go-
vernobrasileiroeoCongressoes-
tão dispostosavotar umaagen-
da de reformas.Deixarisso claro
éimportante, acreditamfontes,
para evitarque um desânimo
contamineaeconomiaederrube
asprojeçõesdospróximosanos.
Apóso saneamento,Guedes
tem trabalhado mais intensa-
mentena lei do gás. Oprojeto
quebrao monopólioda Petro-
bras na distribuiçãodo combus-
tíveleestánapautadaCâmara.O
deputadoLaércioOliveira (PP-
SE), relatorna Comissãode De-
senvolvimento Econômico,diz
que as reuniõespara tentarreto-
maro assuntoocorrem há 30
dias e a intençãoé levaro tema
diretoao plenário da Câmara,já
que as comissõesnão estãoem
funcionamentoainda.
O ministrotambémtem de-
fendidoa reformatributáriae
outrasprivatizações, afirmou ao
Valorolíder do MDBna Câma-
ra, deputadoBaleiaRossi(SP),
que viajoua Brasíliaesta semana
parase encontrar comGuedes.
“Ele está muitootimistaem re-
tomara agendaeconômica para
mostrarque opaís está empe-
nhadonas reformas”, disse.
Olíder do PSD,deputadoDie-

go Andrade(MG),afirmouque o
ministro está buscandoconver-
sar sobreaagendaparasaber
qualadisposiçãodos partidos
em votarcadaum dos projetos.
“É muitoimportanteesse conta-
to,todosno PSD estãocom dis-
posiçãode ajudar”, disse.
No encontro, Guedesdefen-
deudesonerarafolhanareforma
tributária eprogramaspara “fle-
xibilizar”osdireitostrabalhistas
com a intençãode gerarempre-
gos formais.Tambémpediuaju-
da paraaprovara MedidaProvi-
sória(MP)922, que alteraregras
paracontratação de funcioná-
rios temporáriosno serviçopú-
blico. Essameta,contudo, será
maisdifíciljáqueapropostapre-
cisaseraprovadanaCâmaraeSe-
nadoaté dia 29 (segunda-feira)
paranãoperderavalidade.
Anova fase de Guedesenvol-
veu inclusivea entregade cargos
em bancospúblicos,algo que ele
era contraanteriormente. O mi-
nistroaceitounomear alguém
apadrinhadopor PL ePTB para o
comandodoBancodoNordeste.
A primeiraescolha,contudo,
acabouderrubadaem menos de
24 horasquandofoi divulgado
que o nomeadoera investigado
por prejuízobilionáriona Casa
da Moeda.Desdeentão,ominis-
tro negociacomessespartidos
umnovonome.
Alémdos novos marcos regu-
latórios,Guedes dependedo
Congresso para destravar privati-
zações.OpresidenteJairBolsona-
rotemcobradomaisceleridade.
Ameta paraeste ano épriva-
tizar:Eletrobras,Correios,Por-
to de Santose Pré-SalPetróleo
SA (PPSA).Quertambémabrir
o capital da CaixaSeguridade.
As duasprimeiras dependem
de autorizaçãodo Legislativo.
(Colaboraram Renan Truffi e
VandsonLima)

Autorização deempréstimos


a Estados preocupa Economia


RenanTr uffi
De Brasília

O cabode guerraentreExecu-
tivo e Legislativopor conta do
risco de caloteem empréstimos
externos não impediu queos
parlamentarescontinuemauto-
rizando Estados emunicípiosa
contraíremmaisdívidasinterna-
cionais. Desdeoinícioda pande-
mia,em março, oSenadoapro-
vou US$ 300,2milhões,aproxi-
madamenteR$ 1,5 bilhão, em fi-
nanciamento para governadores
e prefeitos abasteceremprogra-
mas que nãotêm,necessaria-
mente,qualquer relaçãocomo
combateàcovid-19.
Ao todo, foram quatro em-
préstimosinternacionais autori-
zadosapenasno períododa pan-
demia, ou seja,em três meses.
Aindaque a Uniãoestejadespe-
jandovultososrecursosparagas-
tos emergenciais,os congressis-
tas tambémvalidaramaaquisi-
ção de outrasdívidas.As opera-
çõesbeneficiaramos governos
de Alagoas, Paranáe as cidades
deSãoBernardodoCampo(SP)e
SãoGonçalodoAmarante(RN).
OEstadode Alagoasficou com
US$ 136,2milhõespara obrasde
saneamento, urbanizaçãoe
transportes. Paranáterá US$ 50
milhõesem funçãode um proje-
to de modernizaçãoda gestão
fiscal. Acidadede São Bernardo
do CamposolicitouUS$ 80 mi-
lhões paraa recuperaçãoeo or-
denamento socioambiental de
seusbairros.Porfim, omunicí-
pio de São Gonçalodo Amarante

receberáUS$34milhõesparaum
programa de açõesestruturan-
tes. Os quatro empréstimosfo-
ram contratados em três organi-
zações: Corporação Andinade
Fomento(CAF),BancoInterame-
ricano de Desenvolvimento
(BID)eFundoFinanceiroparao
Desenvolvimento da Bacia do
Prata(Fonplata).
O aval paraesse tipo de con-
trataçãopreocupa a equipe eco-
nômica porquetodasessasope-
rações externas têm agarantia
da União.Isso significa que, caso
algumdos governadores ou pre-
feitos deixede pagarsuas parce-
las, o governo federaltemde
honrar os débitos para evitar
umainadimplência do Brasil no
mercadointernacional.
O assunto éfoco de desgaste
entre ogovernoeoParlamento
há algumtempo. Recentemente,
oCongresso incluiunoprojeto
de socorroaEstadosmunicípios
umartigoquepermitiaasuspen-
são do pagamento dessesem-
préstimos com instituições fi-
nanceirasnacionaiseinternacio-
nais.Nessecaso,oTesouroNacio-
nal teria de cobrirainadimplên-
cia, pagandoas parcelasem atra-
so e posteriormentecobrandoa
dívidadosgovernoslocais.
O Ministérioda Economia,no
entanto, entendeu que otexto
impede que oTesouro Nacional
faça os pagamentos. Isso levaria
a umasituaçãode inadimplên-
cia com credoresinternacionais,
o que desrespeitaria leis estran-
geiras. Por contadisso, o presi-
denteJair Bolsonaro foi orienta-

do a vetarodispositivo. Mas o
temaestá longede ser superado.
Este vetodeveser avaliadonas
próximas semanas e podeaca-
bar sendoderrubado.
Mesmocom esse panode fun-
do,ogoverno está evitandoin-
terferir nas votaçõesque tratam
de empréstimosinternacionais.
Oreceioéque otema possacau-
sar rusgasnumarelaçãojá des-
gastadaentrePaláciodoPlanalto
eoLegislativo. Em vez disso,os
integrantesdo governotêm tra-
balhado nos bastidores para
“alertar”asbancadasestaduais
sobreoassunto. Orecadoéque
os prefeitose governadores que
não pagarem suasparcelasnão
terãodireitoacréditonovo.
“Se algumEstadosuspendeo
pagamentode parcelasde em-
préstimointernacional,aUnião,
comogarantidora, tem que hon-
rar essasparcelas”, explicou um
interlocutordo governo.“Quem
quisersebeneficiardasuspensão
de pagamentosnão terá acessoa
créditonovo”, complementou.
Para se ter umaideiado im-
pacto fiscal,oTesouroNacional
desembolsouapenas em maio
R$ 1,369bilhãopara honrardívi-
das não pagaspor dez Estadose
dois municípios,de acordo com
oRelatóriode Garantias Honra-
das pela União. Ovalor honrado
no mês passadofoi 96,22% maior
que o registrado no mesmomês
de 2019,de R$ 696,92 milhões.
No acumuladode 2020,foram
bancadosR$ 4,247 bilhões em
débitos,crescimentode 42,35%
emrelaçãoaoanopassado.

By_Lu*Ch@Qu£

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