O Estado de São Paulo (2020-06-22)

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H2 Especial SEGUNDA-FEIRA, 22 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


SONIA RACY


DIRETO DA FONTE


Colaboração
Cecília Ramos [email protected]
Marcela Paes [email protected]

Todd Chapman segue a li-
nha do chamado ‘novo nor-
mal’ que assola o mundo. In-
dagado, o embaixador ameri-
cano no Brasil não usa de
subterfúgios para dizer que
a China é desleal e pouco
transparente – coisa que
muitos desconfiam mas a di-
plomacia internacional não
explicita. E, por causa disso,
atesta que muitas empresas
do mundo estão deixando a
China. Na mão contrária,
“há muitos investidores que-
rendo entrar no Brasil”.

Os EUA já declararam que
não participarão do financia-
mento da criação do 5G no
Brasil caso o governo Bolso-
naro opte por trabalhar com
a Huawei. “A Huawei é uma
mangueira com muitos fu-
ros, vaza informações para a
China. A tecnologia chinesa
é excelente, mas, em países
autoritários, a tecnologia é
sempre usada para reprimir,
não para libertar. E esse
princípio, da liberdade, pre-
cisa ser defendido”, explica.

Trump – além do vai e vem
na relação com a potência
ocidental – tem levantando
suspeitas de que o coronaví-
rus teria sido fabricado na
China, desconfiança dividi-
da com vários outros países.
“É algo que está sendo anali-
sado. E por quê? Porque os
chineses não estão sendo
transparentes, esse é um te-
ma central. Já tivemos vá-
rios problemas de saúde pú-
blica, como ebola, zika aqui
no Brasil, HIV. Todas são
doenças que ameaçam o
mundo”. Como encontra-
mos soluções? “Trabalhan-
do juntos, internacionalmen-
te, sem política e sendo
transparentes. Na covid-19
agora, falta transparência.
Por causa disso, todos esta-
mos pagando essa conta.
Precisamos exigir, no futu-
ro, mais honestidade dos chi-
neses”, diz o embaixador.

Chapman, que se autodefi-
ne como ‘otimista incorrigí-
vel’, quase foi barrado na
sua vinda para o Brasil, no
último dia 29 de março – o
País acabara de fechar suas
fronteiras para os america-
nos por conta do coronaví-
rus. Só conseguiu embarcar
por ser diplomata. “Mesmo
na pandemia, nossos
‘working groups’ têm avan-
çado muito”.

O embaixador texano, entre
idas e vindas, morou 11 anos
em São Paulo, onde estudou
no “Colégio Maria Imacula-
da”, conta. Trata-se da tradi-
cional escola inglesa Chapel
School na Chácara Flora.
Atuou na área financeira,
tanto em Nova York como
na Arábia Saudita. E, a servi-
ço da chancelaria norte-
americana, esteve no Afega-
nistão, Moçambique, Bolí-

via, Costa Rica, Nigéria e
Taiwan. “Sou movido a desa-
fios”, enfatiza, em ótimo portu-
guês, lembrando que sua últi-
ma parada na América Latina
foi a embaixada no Equador.

O nosso desafio? Acelerar as re-
formas. “O momento é este. Se
o Brasil fizer o que tem de ser
feito, sairá da covid-19 mais for-
te para retomar o crescimen-
to”. Para embasar a afirmação,
ele conta à coluna que partici-
pou de recente videoconferên-
cia do Atlantic Council, em
que muitos ‘peixes grandes’ do
mundo financeiro demonstra-
ram interesse em investir aqui.
O que ele aconselhou a fazer
já, ante a cotação do real ver-
sus dólar. A seguir, os melho-
res momentos da conversa:

lComo o senhor enxerga as rela-
ções Brasil-EUA atualmente?
Creio que os países estão mais
próximos do que jamais estive-
ram. Há mais de um milhão de
brasileiros vivendo lá e mais
de 275 mil americanos moran-
do aqui. Mas, dependendo do
turno, do governante na lide-
rança, essa proximidade foi
maior ou menor. Alguns seto-
res no Brasil ainda têm dúvi-
das sobre as intenções dos Es-
tados Unidos e vice-versa.
Mas, politicamente, nossos
presidentes estão muito afina-
dos, e essa talvez seja uma si-
tuação inédita. Isso significa
que a relação se torna, não que-
ro dizer mais fácil, mas menos
difícil. Queremos ampliar nos-
so comércio e estamos conver-
sando sobre como fazer.

lO governo Trump intensificou
suas críticas à China. E o Brasil
não tem se manifestado explicita-
mente sobre esse assunto. Os
EUA esperam apoio? Ele é consi-
derado importante para a agenda
dos dois países?
Cada país tem o dever de avan-
çar no campo de seus interes-
ses nacionais. Isso vale para
qualquer governo. Nós esta-
mos trabalhando nossa relação
com a China. Quando as duas
maiores economias do mundo
debatem, vai haver complexi-
dade. O Brasil, assim como os
EUA, tem de trabalhar seus in-
teresses da melhor maneira
em relação à China. Neste mo-
mento, o que acontece é que
estamos exigindo mais recipro-
cidade, mais atenção às nor-
mas internacionais. Queremos
ver menos roubo de proprieda-
de intelectual, mais transparên-
cia, especialmente quanto à
saúde pública. Temos de ver
mais responsabilidade interna-
cional por parte dos nossos
parceiros. É uma questão de
princípios, de liberdade de im-
prensa, liberdade de expres-
são, liberdade de religião.

lComo está a situação do 5G,
embaixador? Essa é uma tecnolo-
gia pela qual os governos de Chi-
na e dos EUA andam batalhando
comercialmente.
É um tema muito importante

para nós. Tanto que o governo
americano já nos informou
que pretende investir em proje-
tos de 5G no Brasil que usem
equipamentos de empresas
americanas ou do que chama-
mos de “trusted supplyer”, par-
ceiros confiáveis.

lQue empresas seriam es-
sas?
Há diversas, como Nokia, Sam-
sung, Ericsson...

lMas não a Huawei?
Não, porque a Huawei é uma
mangueira com muitos furos,
que vaza informações para a
China. Trata-se do
mesmo problema
que temos com a
covid-19: falta de
transparência. A
tecnologia chinesa
é excelente, mas,
quando ela é usada para repri-
mir os direitos das pessoas, se
torna um instrumento negati-
vo. Em países autoritários, a
tecnologia é usada para repri-
mir, não para libertar. E esse
princípio, da liberdade, precisa
ser defendido.

lTrump tem levantando suspei-
tas de que o coronavírus teria
sido fabricado na China? O que o
senhor acha disso?
O vírus saiu da China, isso é
bastante óbvio. Agora, sobre
uma possível “fabricação”, é al-
go que ainda está sendo anali-
sado. E por quê? Porque os chi-
neses não estão sendo transpa-
rentes. Esse é um tema cen-
tral. Já tivemos vários proble-
mas de saúde pública, como

ebola, zika aqui no Brasil, HIV.
E todas são doenças que amea-
çam o mundo. Como encontra-
mos soluções? Trabalhando
juntos, internacionalmente,
sem política e sendo transpa-
rentes. Neste momento, todos
estamos pagando a conta. En-
tão, precisamos exigir, no futu-
ro, mais honestidade.

lEm termos econômicos, como
será o mundo pós-covid?
Vamos assistir a reajustes glo-
bais na cadeia de produção,
porque muitos países vão ten-
tar minimizar seus riscos futu-
ros em relação à China.

lO senhor está
dizendo que em-
presas deixarão a
China?
Muitas já estão
fazendo isso. O
Japão, por exemplo, tem uma
linha de crédito para empresas
japonesas que queiram sair da
China. E por quê? Porque o
que antes não era considerado
um produto de segurança na-
cional, agora é. Creio que va-
mos ver muitos ajustes como
este. O que os países mais
avançados da Ásia, como Tai-
lândia, Malásia e Indonésia, es-
tão fazendo agora? Contatan-
do as empresas que estão na
China e dizendo: “Venham pa-
ra cá”. Falando do Brasil, o
país também deveria aprovei-
tar este momento de econo-
mia pós-covid-19 para atrair in-
dústrias. Acho absolutamente
factível.

lIndústrias americanas?

De qualquer país, mas claro
que estou concentrado nos
EUA. Já temos mais de 400 em-
presas aqui no Brasil. Se o Bra-
sil continuar melhorando seu
ambiente de negócios, com me-
nos burocracia, regime de im-
postos mais simples e melho-
rando sua posição no ranking
“Doing Business”, do Banco
Mundial (índice que mede a fa-
cilidade para se fazer negócios
no país), tem tudo para avan-
çar. Atualmente, o Brasil está
na 124ª colocação, e é uma das
10 maiores economias do mun-
do, como pode?

lÉ o momento de acelerar as
reformas?
Com certeza. O bom é que o
Paulo Guedes (ministro da Eco-
nomia) quer, o governo do pre-
sidente Jair Bolsonaro quer, o
setor privado quer, assim co-
mo muita gente no Congresso.
Este é o momento de abando-
nar o avanço paulatino e acele-
rar. Estes seis meses antes do
fim do ano são o momento
ideal. É preciso investir na mo-
dernização da economia brasi-
leira. Já recebi diversas mensa-
gens de Nova York, dos gran-
des fundos, porque trabalhei
com eles na minha época de
banqueiro. E todos afirmam:
“Talvez este seja o momento
para entrar no Brasil”.

lTem tanta gente assim de olho
no Brasil, embaixador?
Tem, sim. Participei de uma vi-
deoconferência do Atlantic
Council, em Washington, na
companhia do embaixador bra-
sileiro Nestor Forster (nome

ainda não aprovado pelo Se-
nado), que é meu grande
colega. Falamos, sobretu-
do, de temas econômicos.
E os organizadores me dis-
seram que havia mais de
450 executivos do mundo
todo assistindo essa video-
conferência.

lO BID sempre teve um presi-
dente latino-americano e um
VP americano. Agora, o presi-
dente é americano, e ainda
não há um vice. Houve uma
mudança de postura em rela-
ção aos países latinos?
Houve, sim. Os Estados Uni-
dos querem se aproximar
mais de seus vizinhos de
continente. Então, me pare-
ce muito positivo que esteja-
mos em posições mais altas
da organização. O engraça-
do é que somos criticados
quando não estamos tão en-
volvidos e agora somos criti-
cados por querermos nos en-
volver mais...

lMuita gente calcula que, no
pós-pandemia, os países se
tornarão mais nacionalistas,
justamente por causa dos de-
sequilíbrios fiscais gerados. O
senhor acredita nisso?
Não colocaria dessa forma.
Quando se fala em naciona-
lismo, as pessoas podem
imaginar barreiras. Particu-
larmente, acho que vamos
sair desta crise com muito
mais consciência sobre os
blocos de países que têm
princípios semelhantes. E
com esses, vai se querer am-
pliar relações comerciais.

“Muitas empresas estão deixando a China”


Blog: estadão.com.br/diretodafonte Facebook: facebook.com/SoniaRacyEstadao Instagram: @colunadiretodafonte

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Por outro lado, segundo o embaixador americano, algumas com interesse no Brasil


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“É PRECISO INVESTIR
NA MODERNIZAÇÃO
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