O Estado de São Paulo (2020-06-24)

(Antfer) #1

%HermesFileInfo:B-8:20200624:
B8 Economia QUARTA-FEIRA, 24 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


“A queda no faturamento acon-
teceu no dia 1 do isolamento. O
empreendedor vendia hoje pa-
ra pagar as contas de amanhã”,
contextualiza Luis Coelho, que
ao lado de Jennifer Rodrigues
criou a escola Empreende Aí.
Luis pontua a temática do em-
preendedor por necessidade
porque acredita que esse núme-
ro vai aumentar, devido às proje-
ções de aumento do desempre-
go. “Tem estudos que falam que
podemos atingir 20 milhões de
desempregados. Isso vai gerar
uma queda gigantesca no consu-
mo. E vai atingir mais quem é


preto, mulher e de periferia.” Se-
gundo a pesquisa GEM, a falta
de oportunidades no mercado
de trabalho foi o principal fator
que motivou mulheres e negros
a abrir o próprio negócio.
Ele continua: “Assim, vão sur-
gir mais empreendedores por
necessidade. Se eu tinha na mi-
nha rua cinco senhoras fazendo
bolo, talvez no final do ano eu
tenha 20 pessoas nessa mesma
rua fazendo a mesma coisa.”
O Empreende Aí também
criou um fundo a juro zero em
parceria com a Firgun, platafor-
ma de empréstimo coletivo, a

Impact Hub, organização co-
nectada a uma rede global de
empreendedores, e o Desabafo
Social, laboratório de tecnolo-
gias sociais. A meta de captação
é de R$ 500 mil e busca atender
200 microempreendedores.

Na zona leste. Nessa região da
cidade, uma iniciativa partiu de
Emperifa, Aupa (veículo de jor-
nalismo de impacto social) e
B2B (empresa de marketing di-
gital), que criaram um comitê
para apoiar o coletivo Meninas
Mahin. As 70 artesãs do coleti-
vo vendiam seus produtos em

feiras e na Casa Aupa. Com a
pandemia, os canais de vendas
foram interrompidos.
Além de uma captação em di-
nheiro, as empreendedoras fo-
ram beneficiadas com kits de hi-
giene, álcool em gel e cesta bási-
ca. Ednusa Ribeiro, porta-voz
do Meninas Mahin, frisa a im-
portância das ações. “Não é as-
sistencialismo. A gente está for-
talecendo as mulheres para que
não percam o foco do negócio.”
O coletivo chama a atenção
para um tema relevante: a falta
de investimentos na zona leste.
“Sabemos que a zona sul está 10
anos à nossa frente. Mas existe
uma potência da zona leste, on-
de não se aporta muito”, pon-
tua Susanne Sassaki, da Aupa.

PME


Queda de renda e mais concorrência após a pandemia


Letícia Ginak


Grandes empresas abriram
seus marketplaces para que
os pequenos negócios pudes-
sem ter um canal de vendas
online em tempos de pande-
mia do novo coronavírus.
Uma ótima iniciativa, mas
não atende grande parte dos
empreendedores, em espe-
cífico os donos de negócios
nas periferias. Falta de forma-
lização, de intimidade com o
meio digital e de logística são
algumas das barreiras.
Sabendo bem como é essa rea-
lidade e em busca de uma solu-
ção urgente, Richard Tortoya e
Thayane Amaral, fundadores
da comunidade Hackathon Bra-
sil no distrito da Brasilândia, zo-
na norte de São Paulo, criaram
o Mundial Shop, marketplace
da periferia para a periferia.
“O e-commerce praticamen-
te nunca funcionou aqui. A gen-
te não tem logística, você com-
pra pela internet e os Correios,
que é a principal empresa de lo-
gística do e-commerce, não en-
trega aqui porque somos catego-
rizados como área de risco”, diz
Richard. “É preciso buscar o
produto na central dos Cor-
reios. Por isso, as pessoas para-
ram de comprar pela internet.
Não adianta as empresas apre-
sentarem uma solução se a gen-
te tem esses obstáculos: a falta
de usabilidade e a logística.”
Richard é do time de tecnolo-
gia da startup Jaubra, o Uber da
Brasilândia, que será o parceiro
para as entregas de produtos
dos lojistas cadastrados no
marketplace. “Com eles, pode-
mos fazer a entrega de ponta a
ponta, pois eles retiram o produ-
to no ponto do vendedor e en-
tregam na casa do comprador.
Isso nem os Correios faria, por-
que o empreendedor teria que
ir até a agência para enviar o pro-
duto. Já eliminamos um proble-
ma.” Aderir a logística pela Jau-
bra, porém, não é obrigatório.
Para solucionar o problema
da usabilidade, Richard e Thaya-
ne darão assistência passo a pas-
so para o empreendedor. “Va-
mos deixar a loja pronta e trei-
ná-lo para que ele saiba cadas-
trar os produtos.” Até o momen-
to, 100 empreendedores se ca-
dastraram no Mundial Shop.
“Com a reabertura gradual,
vamos fazer uma ação de ir até
os comércios pessoalmente di-
vulgar a plataforma para que
mais gente possa participar.
Criamos o marketplace com a
intenção de que ele se mante-
nha no pós-pandemia. A digitali-
zação deve se tornar uma cultu-
ra, para dar mais força para os
pequenos comércios. Nosso slo-
gan é ‘da periferia para o mun-
do’”, afirma Richard.
O valor para colocar o Mun-
dial Shop no ar veio de um mat-
ch funding em conjunto com a
plataforma Benfeitoria, com a
meta de R$ 30 mil atingida. O
valor também possibilitou que
neste momento de emergência
nenhuma taxa sobre as vendas
seja cobrada dos empreendedo-
res. Richard diz que, para que as
operações comecem definitiva-
mente, ainda faltam poucos


ajustes na ferramenta de paga-
mento interna do marketplace.

Iniciativa privada. Na carona
do movimento de apoio de gran-
des marcas e seus marketplaces
a pequenos negócios, Marcelo
Rocha, conhecido como DJ Bo-
la, fomentador do empreende-
dorismo, ressalta como é im-
prescindível que a iniciativa pri-
vada que busca investir em
ações sociais na periferia veja a
potência que ela tem e não a en-

care só como agente passivo.
Bola está na ativa com A Ban-
ca (produtora que dissemina a
cultura hip hop com eventos e
oficinas culturais) desde os
anos 1990, quando o Jardim Ân-
gela, na zona sul, foi categoriza-
do como um dos lugares mais
violentos do mundo pela Orga-
nização das Nações Unidas.
“Há anos trago esse debate
com A Banca. É importante in-
vestir diretamente na base, co-
locando ela como protagonista.

Do lado de cá, a gente foi só be-
neficiário, cliente ou usuário de
alguma iniciativa. Pouco inves-
timento social privado foi colo-
cado aqui (Jardim Ângela) de fa-
to. Quando aconteceu, a base
não participou do processo.
Com isso, não teve aprendiza-
do, troca, ampliação da rede. E
isso é um problema. Agora, com
a pandemia, isso se agravou ain-
da mais porque está todo mun-
do precisando correr contra o
tempo nesse momento de emer-
gência”, desabafa ele.
Segundo Bola, é preciso forta-
lecer iniciativas que já existem
e que são dos territórios. Isso é
possível, diz ele, quando a inicia-
tiva privada se aproxima das or-
ganizações das periferias, para
ter ideias de produtos e servi-
ços “pensados pelas pessoas da-
qui, o conhecimento da quebra-
da” e para que seus atores sejam
reconhecidos desde o início,
“não depois de uma história e
carreira de dor e sofrimento”.
Sobre a realidade dos negó-
cios na pandemia, Bola explica
que muitos são do setor da eco-
nomia criativa, o mais afetado,
de acordo com pesquisa do Se-
brae, que registrou queda de
77%. A Banca opera a Articula-
dora de Negócios de Impacto
da Periferia, a Anip (que tam-
bém conta com a organização
de impacto social Artemisia e o
Centro de Empreendedorismo
e Novos Negócios da FGV).
A Anip, em parceria com o
Banco Pérola, criou o Fundo
Volta Por Cima, que tem a mis-
são de conceder empréstimos a
juro zero para que os negócios
de impacto possam se manter
ativos, garantindo emprego e
renda. Cerca de 50 negócios re-
ceberão até R$ 15 mil.

Digital.
Thayane
Amaral e
Richard
Tortoya
criaram
marketplace
na
Brasilândia
para apoiar
lojistas do
território

THAYS BITTAR

ESTADÃO

Informalidade jurídica, falta de logística e ausência do mundo digital tornam empreendedorismo nos extremos de SP ainda mais desafiador


l Jucileide Dias, ou Ju Dias, fun-
dou a agência de marketing digi-
tal Bora Lá! em 2017. Aos 16
anos, ela começou sua carreira
como aprendiz em uma multina-
cional, onde, com apoio financei-
ro, conseguiu cursar a faculdade
de propaganda e marketing.
Moradora do Jardim Ângela,
deixou o bairro aos 21 anos para
construir carreira do outro lado
da ponte. De volta ao bairro, depa-
rou-se com as dificuldades dos
empreendedores. “Quando voltei
para a quebrada, ninguém pensa-
va em comunicação. Comecei a
fazer trabalho voluntário. Em um
curso do Empreende Aí, percebi
que eu poderia criar a Bora Lá!”.

Com investimento de R$ 7 mil,
abriu a agência em sua casa e
começou a fazer design, logoti-
pos, redes sociais e estratégia
digital para os negócios da perife-
ria com valores acessíveis. Com a
pandemia, o fluxo de clientes
caiu 80%. O tempo livre e a vonta-
de de não deixar a roda parar de
girar fizeram com que ela agisse
rápido. “Transformei as redes da
Bora Lá! para divulgar os conteú-
dos produzidos por jornalistas
daqui e mostrar o que acontecia
na periferia com o coronavírus.”
No segundo mês de pandemia,
avisada pelo DJ Bola, ela se ins-
creveu no fundo Enfrente, match
funding da Fundação Tide Setu-
bal e parceiros, na plataforma
Benfeitoria. Ju arrecadou R$ 30
mil para manter a Bora Lá! por
cinco meses. Como contraparti-
da, doou 200 artes gratuitas para
os empreendedores do território.

DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO

Negócio na periferia sofre outras dores


Rede. Ju Dias arrecadou valor em fundo e doou trabalho

Agência de


marketing ampara


ecossistema


Cursos. Luis Coelho e Jennifer Rodrigues, da Empreende Aí

FONTE:SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE

● Os 10 distritos de SP com mais mortes por covid-19
ficam na periferia

NO RASTRO DO CORONAVÍRUS

1 2 3 4 5 6 7 8 9

10

Sapopemba
Brasilândia
Grajaú
Jardim Ângela
Capão Redondo
Cidade Ademar
Tremembé
Cidade Tiradentes
Itaquera
Itaim Paulista

300
277
267
240
237
225
218
193
187
173

1

2

3

4

6

7

8

9

10

5

OBS.: DADOS SOMAM 95,6% DE MORTES E SUSPEITAS DE MORTES DE 11/3 A 18/6

FELIPE RAU/ESTADÃO
Free download pdf