O Estado de São Paulo (2020-06-24)

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A6 Política QUARTA-FEIRA, 24 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


ROSÂNGELA


BITTAR


A


parentemente, há fatos e in-
dícios demais que justificam
o afastamento do presidente
Jair Bolsonaro. O consenso na políti-
ca, porém, é de que o cenário ainda
exige cautela. A caça foi avistada, es-
tá acuada, mas ainda não pode ser
alcançada.
Os fatores que sustentam a mu-
dança de rumo estão em plena ebuli-
ção. Apenas a reeleição, que Bolso-
naro sempre considerou favas con-
tadas, está fora de cogitação. Su-
cumbiu junto com os milhões de
vítimas da covid-19 e dos desempre-
gados por ela. Ainda há quem acre-

dite na reabilitação do candidato nes-
ses próximos dois anos e pouco, mas
estes são raros.
Ninguém mais discute, porém, se o
presidente resistirá até o fim do man-
dato. A dúvida é sobre como vai sair, se
pela impugnação da chapa no Tribu-
nal Superior Eleitoral (TSE), ou pela
deposição via Congresso, o impeach-
ment. Para os dois desfechos ainda
não existem as condições necessárias,
em provas, perdas de apoio, enfraque-
cimento político.
A novidade atual é a troca de posição
das probabilidades. A impugnação no
TSE, que até há duas semanas era vista

como a hipótese mais fácil, perdeu fa-
voritismo. A equação se inverteu.
Duas razões se destacam para a desis-
tência desta aposta. A cassação eleito-
ral padece de provas incontestáveis. Ro-
bôs espalhando notícias falsas, com for-
mação de rede do ódio e seus efeitos
decisivos na eleição, são provas “tê-
nues” politicamente, questões áridas e
técnicas, de difícil compreensão, até
mesmo para os juízes da corte eleitoral.
A impugnação da chapa tornou-se
menos palatável. Também, pelo longo
tempo que se passou desde a eleição e
a extensão da punição ao general Ha-

milton Mourão, vice-presidente, que
não assumiria o poder. Está prevale-
cendo, no momento, o argumento
oposto ao de um grupo da oposição
que prefere esta saída exatamente pa-
ra se livrar de Mourão. Mas já não é a
mais realista.
Não por temor de um levante mili-

tar. Como mostrou reportagem de Tâ-
nia Monteiro, no Estadão, na segun-
da-feira, o chamado poder militar, re-
presentado pelos 11 comandantes que
têm o controle das tropas, não tem
gabinete no Palácio do Planalto. Atin-
gir Mourão na derrubada de Bolsona-
ro pode ser um passo em falso e desne-
cessário.
Quanto ao impeachment, há muita
coisa para se imaginar, mas ainda pou-
ca coisa a ver.
A pandemia impede que os líderes e
negociadores realizem reuniões. Nin-
guém articula deposição de presiden-
te da República via internet. Bolsona-
ro está sendo favorecido justamente
pela avassaladora e cruel doença que
renegou, desprezou e ironizou. A pan-
demia da covid-19 tende a manter a
política sob pressão até o fim do ano,
no mínimo.
Por isto, a análise de pedidos de im-
peachment é considerada sem viabili-
dade no momento. Depois das elei-
ções municipais, quem sabe?
A imagem do presidente dificilmen-
te se reerguerá. Foi contaminada pe-
los piores símbolos do seu governo: os

apoiadores presos por atos antide-
mocráticos, os empresários peri-
féricos financiadores da baixaria,
os advogados saídos de becos de ar-
ranjos. A tradução do governo, ho-
je, são as Saras, os Queiroz, os
Hangs, os Wassefs.
Estão apenas no começo as inves-
tigações sobre os escândalos da “ra-
chadinha”, do gabinete do ódio e
dos atos que pedem a volta do AI5.
A equipe econômica pioneira já
começou a se dissolver. Até quando
o ministro da Economia resistirá?
O presidente fez um cálculo obje-
tivo ao apostar todas as suas fichas
no Centrão, alimentado pelos me-
lhores cargos políticos, como os Mi-
nistérios das Comunicações, possi-
velmente o da Educação, os bem nu-
tridos Fundos de financiamento da
Educação e da Saúde.
Com este arsenal, o Centrão en-
tra forte na campanha municipal. O
que fará depois, são outros quinhen-
tos. Se o cofre a proteger estiver va-
zio, enfraquecido, isolado, o grupo
embarcará, como é de sua natureza,
na expectativa de poder futuro.

E-MAIL: [email protected]
ROSÂNGELA BITTAR ESCREVE SEMANALMENTE ÀS
QUARTAS-FEIRAS

Braço direito de


Wassef atuou na


defesa de Queiroz


Os fatores que sustentam a
mudança de rumo estão em
plena ebulição.

Ricardo Galhardo
Caio Sartori


Horas depois de Fabrício Quei-
roz ser preso, quinta-feira pas-
sada, na casa do ex-advogado
da família Bolsonaro Frede-
rick Wassef, em Atibaia, a defe-
sa do ex-assessor parlamentar
nomeou outro advogado, Ede-
valdo de Oliveira, como “cor-
respondente” na cidade.


Ex-policial rodoviário, Olivei-
ra é visto como uma espécie de
braço direito de Wassef em Ati-
baia. Ele recebeu procuração pa-
ra atuar especificamente na San-
ta Casa de Bragança Paulista,
onde Queiroz realizou duas ci-
rurgias alguns meses atrás. Ele
deveria conseguir os laudos que
comprovam as passagens de
Queiroz pelo hospital.
Os laudos são fundamentais

para corroborar a narrativa
apresentada por Wassef nos úl-
timos dias, segundo a qual per-
mitiu a presença de Queiroz em
sua casa em Atibaia “por razões
humanitárias”, já que o ex-as-
sessor do senador Flávio Bolso-
naro (Republicanos-RJ) estava
sem dinheiro, doente e precisa-
va de um lugar para ficar duran-
te o tratamento. A Santa Casa
se recusou a fornecer os docu-

mentos e informou que só o fa-
ria mediante decisão judicial.
De acordo com pessoas próxi-
mas a Wassef, Oliveira é uma
espécie de braço direito do ad-
vogado em Atibaia. Formalmen-
te, Oliveira só aparece no pro-
cesso que investiga o senador
Flávio Bolsonaro por prática de
“rachadinha” como o advogado
que acompanhou o depoimen-
to ao Ministério Público de
Agostinho Moraes da Silva, ex-
policial lotado no gabinete de
Flávio na Assembleia Legislati-
va do Rio de Janeiro (Alerj).
Oliveira, no entanto, é um co-
laborador próximo de Wassef.
O criminalista é especializado
em encontrar falhas formais
que possam levar a nulidades
em processos, independente-
mente do mérito das acusações.
Essa foi a estratégia adotada
por Wassef na defesa de Flávio.
O advogado tentou por cinco ve-
zes trancar as investigações con-
tra o senador com base em ques-
tões formais como, por exem-
plo, a amplitude dos dados en-
viados à Justiça do Rio pelo Con-
selho de Controle de Ativida-
des Financeiras (Coaf).

Segundo pessoas que tive-
ram acesso à defesa de Flávio
Bolsonaro, Wassef às vezes en-
via peças processuais feitas por
outros advogados a Oliveira pa-
ra que o criminalista avalie e, se
for o caso, corrija ou altere os
documentos.
Oliveira diz que é amigo de
Wassef, mas nega parcerias em
processos. Diz ainda que não en-
controu Fabrício Queiroz du-
rante os períodos em que o ex-as-
sessor legislativo esteve em Ati-
baia. Pessoas próximas, no en-
tanto, afirmam que os dois man-
tinham contato por telefone e
WhatsApp há alguns meses.
Oliveira não foi o único advo-
gado usado na proteção a Quei-
roz em Atibaia. Ao longo de pelo
menos seis meses o ex-assessor
parlamentar teve a companhia
de uma advogada identificada
como Ana Flávia na casa de Was-
sef. Oficialmente não consta o
nome de nenhuma Ana Flávia
entre os defensores de Fabrício
Queiroz. Era Ana Flávia quem
levava Queiroz de carro para
consultas médicas em São Pau-
lo, compromissos ou passeios
em Atibaia.

Estilo de vida. No mais de um
ano em que viveu na cidade do
interior, Queiroz passou longe
de ter uma vida reclusa. Ele saía
frequentemente para cami-
nhar, ia a bares e restaurantes e
nunca escondeu a identidade.
No período ele viajou diversas
vezes para o Rio e recebeu a famí-
lia na casa de Wassef pelo me-
nos duas vezes. Mesmo assim,
dava sinais de depressão, abati-
mento físico e tomava remédios
antidepressivos e ansiolíticos.
Em conversas com outros ad-
vogados de Atibaia, Oliveira di-
zia já esperar que seu nome sur-
gisse nas investigações. O moti-
vo seriam mensagens e telefone-
mas entre ele e Queiroz. Nestas
mesmas conversas, ele diz tam-
bém que está tranquilo e avalia
que a perícia nos celulares vai
comprovar que ele não esteve fi-
sicamente com Queiroz mas es-
pera ser convocado para depor
na condição de testemunha.
Os advogados Paulo Emílio
Catta Preta, que lidera a defesa
de Queiroz, e Frederick Was-
sef, que até a semana passada
defendia Flávio Bolsonaro, for-
ma procurados mas não respon-
deram aos contatos.

Rayssa Motta


Os novos advogados de Flávio
Bolsonaro (Republicanos-RJ)
entraram ontem com um pedi-
do para que o senador seja ouvi-
do sobre o suposto esquema de
“rachadinhas”– apropriação de
parte ou a totalidade do salário
dos servidores – em seu antigo
gabinete na Assembleia Legisla-
tiva do Rio (Alerj). Luciana Pi-
res e Rodrigo Roca informaram
que protocolaram o pedido no
Ministério Público do Rio de Ja-


neiro para que Flávio possa
“prestar esclarecimentos”.
Com a saída de Frederick
Wassef do caso, após o ex-asses-
sor Fabrício Queiroz ter sido
preso em sua casa em Atibaia,

no interior de São Paulo, a du-
pla assumiu a defesa do sena-
dor na investigação sobre os su-
postos desvios de salários de
funcionários da Alerj.
A iniciativa indica uma mu-

dança na estratégia adotada pe-
la defesa até aqui. Antes disso,
em dezembro de 2018, o Ministé-
rio Público já havia convocado
Flávio a depor, mas o senador
não se apresentou diante dos
promotores e passou a entrar
com uma série de recursos ques-
tionando a investigação e pedin-
do o arquivamento do caso.
O primeiro foi apresentado
ao Supremo Tribunal Federal e
defendia o direito ao foro junto
ao STF, uma vez que Flávio ha-
via sido eleito ao Senado. O re-
curso acabou negado pelo mi-
nistro Marco Aurélio Mello.
Depois disso, a defesa de Flá-
vio passou a apontar irregulari-
dades, segundo os advogados,
nos relatórios do Conselho de
Controle de Atividades Finan-
ceiras (Coaf) que identificaram

movimentações atípicas de R$
1,2 milhão nas contas de Quei-
roz e arrastaram o então deputa-
do para o centro da investiga-
ção criminal. O recurso tam-
bém acabou negado pelo STF
no final do ano passado.
Amanhã, a Justiça do Rio vai
julgar um pedido de habeas cor-
pus apresentado pela defesa do
senador em março. Caso a maio-
ria dos cinco desembargadores
da 3ª Câmara Criminal concor-
de com os argumentos dos advo-
gados, todas as medidas cautela-
res adotadas no caso das “racha-
dinhas”, incluindo as quebras
de sigilo e a prisão de Fabrício
Queiroz, podem ser anuladas.

Dobradinha. Na sexta-feira
passada, um dia após a prisão de
Queiroz, o Ministério Público

Federal no Rio de Janeiro inti-
mou o senador a prestar depoi-
mento em uma segunda investi-
gação relacionada ao caso. A in-
tenção é que Flávio seja ouvido
sobre supostos vazamentos da
PF na Operação Furna da Onça.
A investigação faz parte do
procedimento aberto para apu-
rar declarações feitas pelo ex-
aliado do governo, o empresá-
rio e pré-candidato à prefeitura
do Rio, Paulo Marinho (PSDB),
de que o filho mais velho do pre-
sidente foi previamente avisa-
do da operação que trouxe à to-
na as movimentações atípicas
nas contas de Queiroz.

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Com nova defesa, Flávio muda estratégia e quer depor


Caça acuada,


caçadores em vigília


l A defesa de Márcia Oliveira de
Aguiar, mulher de Fabrício Quei-
roz, entrou, na segunda-feira,
com habeas corpus na Justiça
do Rio. Ela está foragida desde a
quinta-feira passada, quando foi
alvo de mandado de prisão pre-
ventiva na mesma ação que pren-
deu Queiroz. Ontem pela manhã,
foi distribuído para a 3ª Câmara
Criminal do Tribunal de Justiça –
os cinco desembargadores jul-
gam, nesta quinta, um habeas
corpus de Flávio Bolsonaro.
Márcia é acusada de ajudar na
suposta obstrução de Justiça
durante as investigações sobre a
‘rachadinha’ no antigo gabinete
de Flávio na Assembleia Legisla-
tiva do Rio (Alerj). Queiroz seria o
operador do esquema.
Ontem cedo, agentes deflagra-
ram uma operação em Belo Hori-
zonte, Minas Gerais, em endere-
ços de familiares de Queiroz,
mas não encontraram Márcia.

NA WEB

estadao.com.br/e/estadaopolitica
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DIDA SAMPAIO / ESTADÃO-1/10/

Advogados do senador


pedem para que ele seja


ouvido na investigação


sobre seu antigo
gabinete na Assembleia


Senador. Flávio é investigando no inquérito das ‘rachadinhas’

Mulher de ex-PM


pede habeas corpus


GABRIELA BILO/ ESTADAO-17/6/

Edevaldo de Oliveira deveria conseguir os laudos que comprovam


passagens do ex-assessor de Flávio em hospital de Bragança


Planalto.
Frederick Wassef
durante posse de
ministro em Brasília
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