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Cerca de sessenta quilómetros a norte desse
ponto de viragem, no vale do Hunza, um afluen-
te do Indo, desloquei-me a pé até ao Ghulkin, um
glaciar ladeado por pomares e aldeias. Do cume, a
vista era majestosa. O torrencial rio castanho abre
caminho através do vale. Descendo até alcançá-lo,
avistavam-se faixas de um tom de verde psicadéli-
co: campos e pomares onde cada folha é regada por
canais de irrigação directamente ligados ao glaciar.
Na região setentrional do Paquistão, segundo as
populações locais, os glaciares avançam porque
vão acumulando massa. É verdade, mas, como
mais tarde aprendi com a geóloga Bethan Davies,
glaciologista da Royal Holloway em Londres, um
glaciar também pode deslizar encosta abaixo,
como o trenó de uma criança, porque começou a
derreter e deixou de estar consolidado.
Poderá ter sido isso que aconteceu em 2018 ao
Shisper, outro glaciar situado nas proximidades:
de repente, começou a deslizar em direção à cida-
de de Hassanabad, chegando a avançar 37 metros
por dia. “Parecia um comboio”, contou-me o geó-
logo Deedar Karim. O Shisper transpôs canais de
irrigação e embateu contra uma ponte. Quando
fui vê-lo, em Outubro passado, abrandara para 30
centímetros por dia – mesmo assim, uma veloci-
dade grande para um glaciar.
Na região superior da bacia hidrográfica do
Indo, os glaciares já deixaram de avançar ou re-
troceder com normalidade. Os glaciares Hoper e
Barpu recuaram de tal forma, ao derreterem, que
as povoações e as suas redes de irrigação laborio-
samente construídas ficaram sem água. Vemo-las
abandonadas na encosta da montanha: casas do
mesmo tom castanho claro das colinas ressequi-
das. “Na minha infância, cultivavam-se os cam-
pos e as árvores ali”, disse-me Niat Ali, um antigo
militar do exército, de 60 anos. Depois, desfiou
uma lista de povoações extintas: Shishkin, Hapa
Kun, Hamdar, Barpu Giram.
Os glaciares em fusão apresentam outra ameaça
premente. Por vezes, a água do degelo acumula-se
atrás de uma barreira formada por escombros ro-
chosos ou gelo – a qual pode explodir, desenca-
deando o “colapso repentino de um lago glaciar”,
ou GLOF. Em 2018, no vale de Ishkuman, uma
cheia submergiu as aldeias de Bad Swat e Bilhanz.
Nayab Khan, de 48 anos, sentiu a terra tremer com
“a água a arrastar enormes pedregulhos. Os pedre-
gulhos colidiam uns com os outros. Aquilo durou
12 dias”. Os destroços represaram o rio Immit, for-
mando um novo lago, com seis metros de profun-
didade. Foram destruídas 42 casas.
As alterações climáticas contribuíram para pôr
sete milhões de pessoas na região setentrional do
Paquistão em risco de uma cheia deste género. Os
três glaciares perto da aldeia de Pasu “são os três
dragões”, disse Ashraf Khan, fruticultor de maçãs
e professor. “Estamos a viver na boca deles.” Em
Agosto passado, a água do degelo de Verão “des-
truiu um hotel, um escritório dos serviços de in-
formação do exército do Paquistão e um pomar”.
À semelhança de todos os habitantes do Norte,
os aldeãos de Pasu conseguem ver o clima mudar.
Os verões são agora tão quentes que, pela primei-
ra vez nas suas vidas, as pessoas estão a encomen-
dar ventoinhas vindas de zonas mais baixas do
país. Os invernos são mais amenos e a maioria dos
habitantes parece grata por isso. Os prospectores
de ouro, que migram sazonalmente até ao Hun-
ÍNDIA
Neste viveiro em
Sichewali, no Punjab, são
cultivadas plantas
autóctones que tornam
a paisagem mais verde
e talvez permitam o
reabastecimento dos
aquíferos subterrâneos.
No Punjab, as reservas
de água subterrâneas
têm sido gravemente
esgotadas em parte
pelo regadio do arroz,
que foi introduzido na
região na década de
1960, no decurso da
revolução verde.