CORONAVÍRUS 33
Nada ficará igual depois desta crise global. Será
preciso modificar o paradigma de actuação face
às pandemias porque outras surgirão no futuro.
Para tal, será necessário realizar mais investiga-
ção em laboratório e inventariar os potenciais
vírus emergentes. A investigação terá também de
ser canalizada para o conhecimento das condi-
ções ambientais que favorecem a transferência de
agentes patogénicos para os seres humanos.
Esquecendo o drama que está em primeiro pla-
no, são estas as directrizes de iniciativas recentes,
como a desenvolvida pela organização EcoHealth,
dirigida por Peter Daszak, que colaborou na iden-
tificação da origem do vírus da SARS e da doença
que provocou a diminuição de anfíbios em todo
o mundo, a quitridiomicose. Peter sublinha que
existe uma relação evidente entre o comércio in-
ternacional e as doenças emergentes e defende
que é preciso consolidar uma saúde global única
que proteja ecossistemas, fauna e seres humanos.
“Sabíamos que a doença X chegaria um dia. Pois
bem, aqui está ela”, dizia em Fevereiro no “The
New York Times” este especialista em doenças
zoonóticas. Em 2018, ele e outros especialistas
já falavam deste risco numa reunião da OMS.
“A doença X, dissemos então, surgiria provavel-
mente de um vírus com origem nos animais, em
alguma parte do planeta onde o desenvolvimento
económico incite os seres humanos a invadirem a
vida selvagem. Provavelmente, será confundido
com outras doenças no início do surto, propagan-
do-se de forma rápida e silenciosa, aproveitando
redes de transporte e de comércio. Chegará a vá-
rios países, impedindo a sua contenção. A doença
X terá uma taxa de letalidade mais alta do que a
gripe sazonal e propagar-se-á facilmente. Abala-
rá os mercados financeiros, antes até de atingir o
estado de pandemia. Em poucas palavras, a CO-
VID-19 é a doença X.” Três anos antes, em 2015, Bill
Gates proferira uma palestra TED alertando para o
perigo de uma pandemia iminente e de quão pou-
co preparados nos encontrávamos para ela. Não
acredite por isso nos discursos que garantem que
nada poderia ter sido feito para prever este proble-
ma global. Na verdade, ele estava previsto.
COM APENAS 120 NANÓMETROS de diâmetro, este
coronavírus transmite-se entre seres humanos
penetrando pelo nariz, pela boca e pelos olhos atra-
vés das gotículas provenientes das vias respiratórias
de pessoas infectadas, mesmo que assintomáticas.
Repletas de partículas virais, emitem-se pela
respiração, os espirros e a tosse e transmitem-se
pelo ar. Também podem penetrar ao tocar no ros-
to com mãos contaminadas, após contacto com
superfícies inertes, nas quais o vírus pode sobre-
viver durante algum tempo. O tempo de sobrevi-
vência do vírus em cada superfície motiva ainda
acalorados debates.
Uma vez dentro do organismo, o coronavírus
adere às nossas células respiratórias: as proteínas S
dão-lhe o seu revestimento e unem-se ao receptor
ACE2 da célula humana, acedendo ao interior. Ali
chegado, o vírus, que não consegue reproduzir-se
por si mesmo, utiliza a máquina de replicação da
célula para proliferar: de um único SARS-CoV-2
podem sair 100.000 novos vírus. Ao longo do pro-
cesso, a célula hospedeira morrerá e os novos vírus
infectarão as células vizinhas. Devido à destruição
celular, o tecido sofre lesões, causando tosse seca
quando as vias respiratórias superior e intermédia
são afectadas. Se a infecção alcançar novas células
do tecido respiratório inferior, os alvéolos podem
encher-se de células mortas, tecido e exsudado in-
flamatório, desencadeando uma pneumonia.
Perante um agente patogénico invasor, o siste-
ma imunitário reconhece o agente estranho, acti-
va a resposta imunitária e causa febre, que serve
para combater ou debilitar determinados micror-
ganismos patógenos. Em estado de alarme, o or-
ganismo mobiliza mais células imunitárias para
lutar contra o vírus, as quais produzem proteínas
chamadas citocinas, que vão ser responsáveis pela
activação de sinais para atrair mais células de de-
fesa ao local da infecção. Em algumas pessoas in-
fectadas, independentemente da idade, a resposta
imunitária face ao SARS-CoV-2 é desproporciona-
da, associada a uma quantidade anormalmente
elevada destas proteínas. É aquilo a que se chama
“tempestade de citocinas”, causadora de um esta-
do de inflamação que pode provocar a morte do
paciente. Isto costuma acontecer depois da fase
aguda da infecção viral. Quando o quadro infec-
cioso inicial parece entrar em remissão e já não
há tanta carga viral, tipicamente cinco a sete dias
após o início dos sintomas, o sistema imunitário
descontrola-se e provoca esta tempestade citocí-
nica que desencadeia um agravamento clínico.
A ALTA MOBILIDADE DOS
SERES HUMANOS PROMOVE
INFINITAS VIAS DE CONTÁGIO.