Clipping Banco Central (2020-08-01)

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Banco Central do Brasil


Folha de S. Paulo/Nacional - Opinião
sábado, 1 de agosto de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas

O problema é mais grave na ciência. O que
garante a superioridade do método científico é
o sistema de conjecturas e refutações. Alguém
apresenta uma ideia, outros atestam, rejeitam,
reformulam ou a comprovam.


No entanto, diante da pressão das minorias
identitárias, hoje é politicamente muito
vantajoso defender teses que concordem com
os ativistas. E é desvantajoso discordar.


Assim, a roda de conjecturas e refutações não
gira. Idéias que não passaram pelo escrutínio
científico ganham força e motivam políticas
públicas com grandes chances de serem tiros
no pé.


As universidades, as palestras de eventos
empresariais, os canais de TV deixam de ser
ambientes de discussão aberta e passam a
abrigar "concursos de demonstração de
lealdade", como diz o economista Cameron
Harwick. Ganha aplausos e likes quem se
mostra mais comprometido com um valor
abstrato ("sustentabilidade", "diversidade"), e
não os autores dos melhores argumentos e
hipóteses sobre um problema.


Os participantes desses concursos de lealdade
se satisfazem com a ideia que mais sinalize
virtude e não se preocupam em estudar as
questões afundo. Colam um rótulo abjeto na


opinião divergente ("revisionismo", "defesa de
privilégios", "opinião sem lugar de fala") e
interditam o debate. O cancelamento funciona
como um aviso aos colegas: quem ousar
discordar será eliminado.

Em defesa dos cancelamentos, costuma-se
citar o "paradoxo da tolerância" de Karl Popper.
"Devemos tolerar tudo, menos a intolerância",
teria dito o filósofo austríaco. Essa é uma
leitura superficial e apressada do que ele
afirmou. Popper se referia a incitações
evidentes à violência e à censura, não a
simples discordância de idéias. Defendia
efusivamente a liberdade de expressão e o
escrutínio científico.

Também se diz que cancelamento é apenas
uma tentativa de "responsabilizar alguém pela
forma irresponsável pela qual compartilhou um
pensamento". Aqui vale lembrar o que
aconteceu com Demétrio Magnoli, colunista da
Folha, numa feira literária na Bahia, em 2013.
Por discordar de cotas raciais, Magnoli recebeu
manifestantes que atiraram até uma cabeça de
porco no palco do debate, que acabou
cancelado.

Não estamos lidando com uma sensata
responsabilização, mas com um apedrejamento
histérico de infiéis.

A cultura do cancelamento criou um ambiente
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