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Revista Época/Nacional - Colunistas
sexta-feira, 31 de julho de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas
numa eleição indireta). “Pela primeira vez na
história temos um presidente que insiste
rotineiramente que não dá para confiar no
processo democrático”, diz Douglas. Diante da
reação previsível, a questão realista é: “Quão
preparado está o sistema para repelir o
ataque?”. A resposta de Douglas é
perturbadora: por mais que os Estados Unidos
sejam a democracia mais longeva e estável do
planeta, não muito.
Douglas traça três cenários para justificar sua
inquietação — ou, nas palavras dele, três
“catástrofes”. A primeira envolve aquilo que os
americanos chamam de “delegados infiéis”:
designados por um estado para votar num
candidato, acabam votando noutro. Bastaria,
numa eleição apertada, que dois
representantes da Pensilvânia inventassem de
votar no senador Mitt Romney em vez de
Trump para haver um impasse. A segunda
“catástrofe” supõe um ataque cibernético que
corte a luz em Detroit no dia da eleição, tire de
Biden uns 300 mil votos e dê a vitória a Trump
no Michigan. Estaria então aberta a disputa em
torno de um novo escrutínio. Em ambas as
hipóteses, o Senado, encarregado de contar os
votos do Colégio Eleitoral (sob o comando do
vice Mike Pence) se veria obrigado a decidir
entre dois vencedores, um apresentado pelo
Executivo estadual (democrata), outro pelo
Legislativo (republicano). A terceira “catástrofe”
envolve a apuração lenta dos votos pelo
correio, multiplicados em virtude da pandemia.
Trump poderia ser declarado vencedor por
redes de TV, para depois Biden virar o jogo nos
três estados decisivos ao longo dos dias
seguintes, sob as invariáveis invectivas de
fraude no Twitter (Douglas tem um talento
especial para incorporar Trump quando
imagina o texto dos tuítes).
Nenhuma das três hipóteses é fantasia. Todas
já aconteceram. A história registra 167 casos
de delegados infiéis no Colégio Eleitoral (7 em
2016), e 18 estados não dispõem de leis que
obriguem seus representantes a respeitar o
resultado das urnas. Russos já promoveram
ataques digitais a Estônia, Geórgia, Ucrânia e,
claro, aos próprios Estados Unidos em 2016.
Há com frequência novos pleitos quando a
legitimidade dos votos é posta em questão
(como na Carolina do Norte em 2018). As
eleições apertadas de 1876 (vencida por
Rutherford Hayes) e de 2000 (por George W.
Bush) só tiveram desfecho porque os
adversários de ambos desistiram de levar às
últimas consequências embates custosos à
democracia. Na primeira, o Senado foi
apresentado a resultados distintos para a
apuração em três estados decisivos. Quem
garante que Trump, se derrotado, transmitiria o
poder sem resistir? “Uma crise na sucessão
pacífica representaria um desastre maior que
uma vitória de Trump”, diz Douglas. O quadro
que ele pinta é assustadoramente convincente.
WILL HE GO? — TRUMP AND THE LOOMING
ELECTION MELTDOWN IN 2020
Lawrence Douglas, Twelve
2020 | 160 páginas | US$ 22
Assuntos e Palavras-Chave: Cenário Político-
Econômico - Colunistas