Clipping Banco Central (2020-08-02)

(Antfer) #1

Banco Central do Brasil


Folha de S. Paulo/Nacional - Ilustríssima
domingo, 2 de agosto de 2020
Banco Central - Perfil 1 - Reforma da Previdência

desse processo. Suas razões, em parte, dizem
respeito à proximidade com o poder e ao
previsível desgaste. Longos ciclos de poder
cobram seu preço. As idéias perdem força, a
política se renova. E é bom que seja assim.


Há igualmente o impacto da revolução
tecnológica na política. A emergência digital
deu voz a um universo difuso de cidadãos que
passaram a postular suas demandas e visões
de mundo diretamente na esfera pública, sem a
mediação e o filtro das tradicionais instituições
intermediárias da democracia liberal (partidos,
sindicatos, movimentos estudantis, mídia
tradicional e, em sentido amplo, o mundo
"organizado" da cultura e da academia). Em
boa medida, a hegemonia da esquerda tinha
como base a influência e o domínio (que ainda
persistem) sobre essas instituições.


A ruptura produzida pela revolução digital
colocou novos atores em campo, recodificou a
linguagem da política, disseminou novas
formas de organização em rede e a irrupção de
movimentos de massa (como o levante de-
2013), cujo impacto sobre a democracia por
muito tempo serão objeto de estudo. O
crescimento estridente e anárquico da nova
direita, no Brasil dos últimos anos, está ligado a
esse fenômeno.


Nesse processo, há contas que pesam sobre
as forças de centro reformista, e elas não são
poucas. A maior delas diz respeito a sua perda
de identidade. O PSDB não foi fiel ao seu
próprio legado de modernização e reforma do
Estado que empreendeu nos anos 1990. As
sucessivas derrotas eleitorais desde 2002
produziram pouca ou nenhuma reflexão crítica.
Aos poucos, o partido transformou-se em um
retardatário dos princípios que dizia defender e
mostrou-se passivo diante da corrupção de


alguns de seus mais altos dirigentes.

Já o pensamento liberal democrático, em
sentido mais amplo, raramente se colocou com
nitidez na arena pública. Confundiu-se comas
forças tradicionais da política e terminou
tragado pela onda polarizadora que, nas duas
pontas, à direita e àesquerda, representam sua
negação.

Em suma, perdeu o debate na sociedade e no
mundo político quando da ascensão da
esquerda e no momento em que esta perdia
sua hegemonia. Seu espaço foi ocupado, em
larga escala, pela nova direita.

Há igualmente contas que pesam sobre a
esquerda brasileira, que até hoje escapam à
devida reflexão pela própria esquerda.A
primeira delas diz respeito a sua relação
ambígua com a democracia e as instituições.
Alguns exemplos: o inaceitável suporte político
e financeiro, via BNDES, à ditadura castrista e
à escalada autoritária na Venezuela; episódios
como a “devolução” dos boxeadores cubanos e
a defesa intransigente de um condenado por
homicídios na Itália; a permanente retórica de
"regulação da mídia” e o processo sistêmico e
amplamente documentado de corrupção do
Estado brasileiro.

São temas que obscurecem a relação de boa
parte da esquerda com a democracia e seus
valores fundamentais. Vale lembrar o recente
documento, liderado pela ex-presidente do
Chile Michelle Bachelet sobre os crimes do
chavismo. Enquanto a líder da esquerda
chilena teve a coragem moral de denunciar a
ampla agressão a direitos e a autocratização
venezuelana, que atitude tomou nossa
esquerda?
É possível fazer de conta que nada disso é
importante, que tudo é justificável à luz do
"embate político" e de uma estranha lógica
Free download pdf