Clipping Banco Central (2020-08-02)

(Antfer) #1

Banco Central do Brasil


Folha de S. Paulo/Nacional - Ilustríssima
domingo, 2 de agosto de 2020
Banco Central - Perfil 1 - Reforma da Previdência

seletiva sobre boas e más ditaduras. Na visão
dos liberais, não. A democracia não comporta
esse tipo de seletividade, estejam no poder
forças à esquerda ou à direita do espectro
político.
Bolsonaro soube capturar tanto o sentimento
difuso de rejeição da esquerda, na base da
sociedade, como ocupar o espaço vazio de
alternativas, em um universo político
crescentemente radicalizado. Fez isso
colocando-se como ponto de contato entre um
conjunto relevante de tendências da vida
política brasileira. Em primeiro lugar, o
pensamento conservador. Conservadorismo de
costumes, em regra de base religiosa,
organizado em torno da defesa de valores
tradicionais da família e de uma ideia de ordem
que parece retirada dos velhos manuais de
moral e cívica dos anos 1970.
Ele soube também capturar uma demanda
difusa pela ética na vida pública que tomou
forma a partir dos sucessivos escândalos de
corrupção. O selo desse alinhamento foi a
presença de Sérgio Moro no governo —e parte
dele se perdeu com sua saída.
Seu movimento mais visível se deu no campo
da política: a retórica antissistema e a recusa
em compor um governo de base partidária,
hoje relativizada pela (também incerta)
aproximação com o centrão.
Por fim, soube estabelecer uma ampla e difusa
aliança com o mercado a partir da pauta
econômica formulada por Paulo Guedes e sua
equipe. Guedes é um nome historicamente
vinculado ao pensamento liberal no Brasil, mas
sua agenda dispõe de um consenso frágil
dentro do governo e seus resultados são, até
agora, bastante tímidos.
O programa de privatizações não deslanchou,
a reforma administrativa sequer foi enviada ao
Congresso, e apenas agora o governo
apresenta as primeiras idéias sobre a reforma
tributária. O Executivo dispunha de espaço
político, após a reforma da Previdência, para


apresentar um programa robasto de reformas
estruturais, mas o fez de modo tímido e
inartículado com as PECs do Plano Mais Brasil,
que pouco ou nada avançaram.
O governo em praticamente nada avançou no
tema da reforma do Estado, cedeu
reiteradamente à pressão corporativa de
militares e policiais e ainda agora fez o mesmo
no debate sobre o Fundeb. Tudo isso reflete o
fato de que, apesar de iniciativas e intenções
liberais, o governo Bolsonaro não é, em seu
conjunto, um governo liberal.
Não vai aí uma distinção trivial.
O liberalismo supõe compromissos que vão
muito além dos temas relativos ao livre
mercado, como respeito a instituições,
afirmação de direitos, cultivo de valores
associados à liberdade. O atual governo anda
longe disso.
Longe de uma visão liberal da educação, que
deveria promover a liberdade de escolha
educacional; longe de uma visão liberal da
cultura, que deveria manter o Estado distante
das escolhas estéticas; longe de uma visão
liberal de política externa, que deveria se
pautar pelo multilateralismo, abertura comercial
e defesa intransigente dos direitos humanos. O
que temos é um tipo difuso de populismo
eletrônico feito de gestos erráticos —e nada
que pareça expressar um "projeto Bolsonaro”
para o país.
Conservadorismo, armas, menos radares nas
rodovias, privatizações, renda básica,
antiglobalismo e desejo de entrar na OCDE.
Não importa quão grave, irrelevante ou
contraditório seja o tema, ele poderá ingressar
na agenda do governo se surgir como urgência,
pressão de algum grupo de interesse próximo
ao Planalto ou contribuir para mobilizar sua
base digital.
Em meio a esse quadro, assistimos a uma
ação robusta de nosso sistema de freios e
contrapesos sobre o Executivo. É disso que é
feita a democracia constitucional. É o que vem
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