dizer que a totalidade da superfície da Terra é compartimentada, não apenas pela ação direta do
homem, mas também pela sua presença política. Nenhuma fração do planeta escapa a essa
influência. Desse modo, a velha noção de ecúmeno perde a antiga definição e ganha uma nova
dimensão; tanto se pode dizer que toda a superfície da Terra se tornou ecúmeno quanto se pode
afirmar que essa palavra já não se aplica apenas ao planeta efetivamente habitado. Com a
globalização, todo e qualquer pedaço da superfície da Terra se torna funcional às necessidades, usos
e apetites de Estados e empresas nesta fase da história.
Desse modo, a superfície da Terra é inteiramente compartimentada e o respectivo
caleidoscópio se apresenta sem solução de continuidade. Redefinida em função dos característicos
de uma época, a compartimentação atual distingue-se daquela do passado e freqüentemente se dá
como fragmentação. Seu conteúdo e definição variam através dos tempos, mas sempre revelam um
cotidiano compartido e complementar ainda que também conflitivo e hierárquico, um acontecer
solidário identificado com o meio, ainda que sem excluir relações distantes. Tal solidariedade e tal
identificação constituem a garantia de uma possível regulação interna. Já a fragmentação revela um
cotidiano em que há parâmetros exógenos, sem referência ao meio. A assimetria na evolução das
diversas partes e a dificuldade ou mesmo a impossibilidade de regulação, tanto interna quanto
externa, constituem uma característica marcante.
A compartimentação: passado e presente
Até recentemente, a humanidade vivia o mundo da lentidão, no qual a prática de
velocidades diferentes não separava os respectivos agentes. Eram ritmos diversos, mas não
incompatíveis. Dentro de cada área, os compartimentos eram soldados por regras, ainda que não
houvesse contigüidade entre eles. O mesmo pode ser dito em relação ao que se passava na escala
internacional. O melhor exemplo, desde o último quartel do século XIX, é o da constituição dos
impérios, fundado cada qual numa base técnica diferente, o que não impedia a sua coexistência, nem
a possibilidade de cooperação na diferença. Durante um século conviveram impérios como o
britânico, portador das técnicas mais avançadas da produção material, dos transportes, das
comunicações e do dinheiro, com impérios desse ponto de vista menos avançados, por exemplo o
império português ou o império espanhol. Pode-se dizer que a política compensava a diversidade e a
diferenciação do poder técnico ou do poder econômico, assegurando, ao mesmo tempo, a ordem
interna a cada um desses impérios e a ordem internacional. Por intermédio da política, cada país
imperial regulava a produção própria e a das suas colônias, o comércio entre estas e os outros
países, o fluxo de produtos, mercadorias e pessoas, o valor do dinheiro e as formas de governo. O
famoso pacto colonial acabava por compreender todas as manifestações da vida histórica e os
equilíbrios no interior de cada império se davam paralelamente ao equilíbrio entre as nações
imperiais. De algum modo, a ordem internacional era produzida por meio da política dos Estados.
Dentro de cada país, a compartimentação e a solidariedade presumiam a presença de certas
condições, todas praticamente relacionadas com o território: uma economia territorial, uma cultura
territorial, regidas por regras, igualmente territorializadas, na forma de leis e de tratados, mas também
de costumes.
Por meio da regulação, a compartimentação dos territórios, na escala nacional e
internacional, permite que sejam neutralizadas diferenças e mesmo as oposições sejam pacificadas,