POR UMA OUTRA GLOBALIZAÇÃO (do pensamento único à consciência universal) Milton Santos

(mariadeathaydes) #1

mediante um processo político que se renova, adaptando-se às realidades emergentes para também
renovar, desse modo, a solidariedade.
No plano internacional, esse processo cumulativo de adaptações leva às modificações
do estatuto colonial, aceleradas com o fim da Segunda Guerra Mundial. No plano interno, a busca de
solidariedade conduz ao enriquecimento dos direitos sociais com a instalação de diferentes
modalidades de democracia social.


Rapidez, fluidez, fragmentação

Hoje, vivemos um mundo da rapidez e da fluidez. Trata-se de uma fluidez virtual,
possível pela presença dos novos sistemas técnicos, sobretudo os sistemas da informação, e de uma
fluidez efetiva, realizada quando essa fluidez potencial é utilizada no exercício da ação, pelas
empresas e instituições hegemônicas. A fluidez potencial aparece no imaginário e na ideologia como
se fosse um bem comum, uma fluidez para todos, quando, na verdade, apenas alguns agentes têm a
possibilidade de utiliza-la, tornando-se, desse modo, os detentores efetivos da velocidade. O exercício
desta é, pois, o resultado da disponibilidades materiais e técnicas existentes e das possibilidades de
ação. Assim, o mundo da rapidez e da fluidez somente se entende a partir de um processo conjunto
no qual participam de um lado as técnicas atuais e, de outro, a política atual, sendo que esta é
empreendida tanto pelas instituições públicas, nacionais, intranacionais e internacionais, como pelas
empresas privadas.
As atuais compartimentações dos territórios ganham esse novo ingrediente. Criam-se,
paralelamente, incompatibilidades entre velocidades diversas; e os portadores das velocidades
extremas buscam induzir os demais atores a acompanhá-los, procurando disseminar as infra-
estruturas necessárias à desejada fluidez nos lugares que consideram necessários para a sua
atividade. Há, todavia, sempre, uma seletividade nessa difusão, separando os espaços da pressa
daqueles outros propícios à lentidão, e dessa forma acrescentando ao processo de compartimentação
nexos verticais que se superpõem à compartimentação horizontal, característica da história humana
até data recente. O fenômeno é geral, já que, conforme vimos antes, tudo hoje está compartimentado;
incluindo toda a superfície do planeta.
É por meio dessas linhas de menor resistência e, por conseguinte, de maior fluidez, que
o mercado globalizado procura instalar a sua vocação de expansão, mediante processos que levam à
busca da unificação e não propriamente à busca da união. O chamado mercado global se impõe
como razão principal da constituição desses espaços da fluidez e, logo, da sua utilização, impondo,
por meio de tais lugares, um funcionamento que reproduz as suas próprias bases (John Gray, Falso
amanhecer, os equívocos do capitalismo, 1999), a começar pela competitividade. A literatura
apologética da globalização fala de competitividade entre Estados, mas, na verdade, trata-se de
competitividade entre empresas, que, às vezes, arrastam o Estado e sua força normativa na produção
de condições favoráveis àquelas dotadas de mais poder. É dessa forma que se potencializa a
vocação de rapidez e de urgência de algumas empresas em detrimento de outras, uma
competitividade que agrava as diferenças de força e as disparidades, enquanto o território, pela sua
organização, constitui-se num instrumento do exercício dessas diferenças de poder.
Cada empresa, porém, utiliza o território em função dos seus fins próprios e
exclusivamente em função desses fins. As empresas apenas têm olhos para os seus próprios

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