POR UMA OUTRA GLOBALIZAÇÃO (do pensamento único à consciência universal) Milton Santos

(mariadeathaydes) #1

mundo sem movimento, lento, estável e cujos fragmentos quase seriam autocontidos. Tais mônadas,
numerosas, existiriam paralelamente, mas sem o princípio geral sugerido por Leibniz.
Nesse primeiro momento, o funcionamento do território deve muito às suas feições
naturais, às quais os homens se adaptam, com pequena intermediação técnica. As relações sociais
presentes são pouco numerosas, simples e pouco densas. O entorno dos homens acaba por lhe ser
conhecido e os seus mistérios são apenas devidos às forças naturais desconhecidas. Tais condições
materiais terminam por se impor sobre o resto da vida social, numa situação na qual o valor de cada
pedaço de chão lhe é atribuído pelo seu uso. Assim, a existência pode ser interpretada a partir de
relações observadas diretamente entre os homens e entre os homens e o meio. O território usado
pela sociedade local rege as manifestações da vida social, inclusive o dinheiro.


Metamorfoses das duas categorias ao longo do tempo

Com a ampliação do comércio produz-se uma interdependência crescente entre
sociedades até então relativamente isoladas, cresce o número de objetos e valores a trocar, as
próprias trocas estimulam a diversificação e o aumento de volume de uma produção destinada a um
consumo longínquo. O dinheiro se instala como condição, tanto desse escambo quanto da produção
de cada grupo, tornando-se instrumental à regulação da vida econômica e assegurando, assim, o
alargamento do seu âmbito e a freqüência do seu uso.
Na realidade, o que cresce, se expande e se torna mais complexo e denso, não é apenas
o comércio internacional, mas, também, o interno. Assim, cada vez mais coisas tendem a tornar-se
objeto de intercâmbio, valorizado cada vez mais pela troca do que pelo uso e, desse modo,
reclamando uma medida homogênea e permanente. Assim, o dinheiro aumenta sua
indispensabilidade e invade mais numerosos aspectos da vida econômica e social.
Paralelamente, o território se apresenta como uma arena de movimentos cada vez mais
numerosos, fundados sobre uma lei do valor que tanto deve ao caráter da produção presente em cada
lugar como às possibilidades e realidades da circulação. O dinheiro é, cada vez mais, um dado
essencial para o uso do território.
Mas a lei do valor também se estende aos próprios lugares, cada qual representando, em
dada circunstância e em função do comércio de que participam, um certo índice de valor que é,
também, a base dos movimentos que deles partem ou que a eles chegam.
Quanto mais movimento, maior se torna a complexidade das relações internas e
externas e aprofunda-se a necessidade de uma regulação, da qual o dinheiro constitui um dos
elementos, ainda que o seu papel não seja o papel central. Este é atribuído à categoria estado, cuja
necessidade se levanta como um imperativo, atribuindo-se limites externos (as fronteiras
estabelecidas), limites internos (as subdivisões político-administrativas em diversos níveis) e
conteúdos normativos (as leis e costumes), em matéria de competências e recursos. É assim que se
instalam na história, categorias interdependentes: o Estado territorial, o território nacional, o Estado
nacional. São eles que, em conjunto, regem o dinheiro.
Há, por conseguinte, um dinheiro nacional que, apesar de um comércio externo
crescente, tem a cara do país e é regulado pelo país. Dir-se-ia que esse dinheiro é relativamente
comandado de dentro.

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