O dinheiro da globalização
Com a globalização, o uso das técnicas disponíveis permite a instalação de um dinheiro
fluido, relativamente invisível, praticamente abstrato.
Como equivalente geral, o dinheiro se torna um equivalente realmente universal, ao
mesmo tempo em que ganha uma existência praticamente autônoma em relação ao resto da
economia. Assim autonomizado, pode-se até dizer que esse dinheiro, em estado puro, é um
equivalente geral dele próprio. Talvez por isso sua existência concreta e sua eficácia sejam resultado
das normas com as quais se impõe aos outros dinheiros e a todos os países, permitindo-se, desse
modo, a elaboração de um discurso, sem o qual sua eficácia seria infinitamente menor e a sua força
menos evidente. É, aliás, a partir deste caráter ideológico, equivalente a uma verdadeira falsificação
do critério, que o dinheiro global é também despótico.
Nas condições atuais, as lógicas do dinheiro impõem-se àquelas da vida socioeconômica
e política, foçando mimetismos, adaptações, rendições. Tais lógicas se dão segundo duas vertentes:
uma é a do dinheiro das empresas que, responsáveis por um setor da produção, são, também,
agentes financeiros, mobilizados em função da sobrevivência e da expansão de cada firma em
particular; mas, há, também, a lógica dos governos financeiros globais, Fundo Monetário
Internacional, Banco Mundial, bancos travestidos em regionais como o BID. É por intermédio deles
que as finanças se dão como inteligência geral.
Essa inteligência global é exercida pelo que se chamaria de contabilidade global, cuja
base é um conjunto de parâmetros segundo os quais aqueles governos globais medem, avaliam e
classificam as economias nacionais, por meio de uma escolha arbitrária de variáveis que apenas
contempla certa parcela da produção, deixando praticamente de lado o resto da economia. Por isso,
pode-se dizer que, adotado esse critério de avaliação, o Produto Nacional Bruto apenas constitui um
nome-fantasia para essa famosa contabilidade global.
É por meio desse mecanismo que o dinheiro global autonomizado, e não mais o capital
como um todo, se torna, hoje, o principal regedor do território, tanto o território nacional como suas
frações.
Antes, o território continha o dinheiro, em uma dupla acepção: o dinheiro sendo
representativo do território que o abrigava e sendo, em parte, regulado pelo território, considerado
como território usado. Hoje, sob influência do dinheiro global, o conteúdo do território escapa a toda
regulação interna, objeto que ele é de uma permanente instabilidade, da qual os diversos agentes
apenas constituem testemunhas passivas.
A ação territorial do dinheiro global em estado puro acaba por ser uma ação cega,
gerando ingovernabilidades, em virtude dos seus efeitos sobre a vida econômica, mas também, sobre
a vida administrativa.
No território, a finança global instala-se como a regra das regras, um conjunto de normas
que escorre, imperioso, sobre a totalidade do edifício social, ignorando as estruturas vigentes, para
melhor poder contrariá-las, impondo outras estruturas. No lugar, a finança global se exerce pela
existência das pessoas, das empresas, das instituições, criando perplexidades e sugerindo
interpretações, que podem conduzir à ampliação da consciência.