história possível, graças à “unidade negativa da multiplicidade concreta dos homens”.
Tal situação é objetivamente esperançosa porque agora assistimos ao fim das
espectativas nutridas no após-guerra e, ao contrário, testemunhamos a ampliação do número de
pobres, assim como o estreitamento das possibilidades e das certezas que as classes médias
acalentavam até a década de 1980. Outro dado objetivo é o fato de que a realização cada vez mais
densa do processo de globalização enseja o caldeamento, ainda que elementar, das filosofias
produzidas nos diversos continentes, em detrimento do racionalismo europeu, que é o bisavô das
idéias de racionalismo tecnocrático hoje dominantes.
21.O imaginário da velocidade
Na família dos imaginários da globalização e das técnicas, encontra-se a idéia, difundida
com exuberância, de que a velocidade constitui um dado irreversível na produção da história,
sobretudo ao alcançar os paroxismos dos tempos atuais. Na verdade, porém, somente algumas
pessoas, firmas e instituições são altamente velozes, e são ainda em menor número as que utilizam
todas as virtualidades técnicas das máquinas. Na verdade, o resto da humanidade produz, circula e
vive de outra maneira. Graças à impostura ideológica o fato da minoria acaba sendo representativo da
totalidade, graças exatamente à força do imaginário.
Essa transformação de uma fluidez potencial numa fluidez efetiva, por meio da
velocidade exacerbada, todavia não tem e nem busca um sentido. Sem dúvida, ela serve ao exercício
de uma competitividade desabrida, mas esta é uma coisa que ninguém sabe para o que realmente
serve.
Velocidade: técnica e poder
Pode-se dizer que a velocidade assim utilizada é duplamente um dado da política e não
da técnica. De um lado, trata-se de uma escolha relacionada com o poder dos agentes e, de outro, da
legitimação dessa escolha, por meio da justificação de um modelo de civilização. É nesse sentido que
estamos afirmando tratar-se mais de um dado da política que, propriamente, da técnica, já que esta
poderia ser usada diferentemente em função do conjunto de escolhas sociais. De fato, o uso extremo
da velocidade acaba por ser o imperativo das empresas hegemônicas e não das demais, para as
quais o sentido de urgência não é uma constante. Mas é a partir desse e de outros comportamentos
que a política das empresas arrasta a política dos Estados e das instituições supranacionais.
No passado, a ordem mundial se construía mediante uma combinação política que
conduzia à não-obediência aos ditames da técnica mais moderna. Pensemos, por exemplo, no século
do imperialismo, nos cem anos que vão do quarto quartel do século XIX ao terceiro do século XX. Os
impérios, em sua qualidade de grandes conjuntos políticos e territoriais, viviam e evoluíam segundo
idades técnicas diversas, utilizando, cada qual, dentro dos seus domínios, conjuntos de avanços
técnicos disparatados e que mostravam níveis diferentes. O império britânico estava à frente dos
demais quanto à posse de recursos técnicos avançados. Mas isso não imedia sua convivência com
outros impérios. Dentro de cada um, o uso do conjunto dos recursos técnicos era comandado por um
conjunto de normas relacionadas ao comércio, à produção e ao consumo, o que permitia a cada bloco
uma evolução própria, não perturbada pela existência em outros impérios de avanços técnicos mais