I
I NEOLIBERALISMO EM ORDEM GLOBAL
Gostaria, primeiramente, de discutir cada um dos tópicos mencionados no título:
Neoliberalismo e Ordem Global. São problemas de grande significado humano, mas ainda pouco
compreendidos. Para abordá-los com rigor, devemos começar por distinguir a doutrina da realidade.
Muitas vezes descobrimos que há entre elas uma considerável distância.
O termo neoliberalismo sugere um sistema de princípios que, ao mesmo tempo em que é novo,
baseia-se em idéias liberais clássicas: Adam Smith é o seu reverenciado santo padroeiro. Esse
sistema doutrinário é também conhecido como Consenso de Washington, expressão que sugere algo
a respeito da ordem global. Um exame mais atento revela que a sugestão sobre a ordem é bastante
precisa, mas o resto, não. Essas doutrinas não são novas, e seus pressupostos básicos estão muito
distantes daqueles que animaram a tradição liberal desde o Iluminismo.
O CONSENSO DE WASHINGTON
O Consenso [neoliberal] de Washington é um conjunto de princípios orientados para o
mercado, traçados pelo governo dos Estados Unidos e pelas instituições financeiras internacionais
que ele controla e por eles mesmos implementados de formas diversas – geralmente, nas sociedades
mais vulneráveis, como rígidos programas de ajuste estrutural. Resumidamente, as suas regras
básicas são: liberalização do mercado e do sistema financeiro, fixação dos preços pelo mercado
(“ajuste de preços”), fim da inflação (“estabilidade macroeconômica”) e privatização. Os governos
devem “ficar fora do caminho” – portanto, também a população, se o governo for democrático –,
embora essa conclusão permaneça implícita. As decisões daqueles que impõem o “consenso” têm, é
claro, um grande impacto sobre a ordem global. Alguns analistas assumem uma posição ainda mais
incisiva. A imprensa de negócios internacional se referiu a essas instituições como o núcleo de um
“governo mundial de fato” de uma “nova era imperial”.
Precisa ou não, essa descrição serve para nos lembrar de que as instituições governantes não
são agentes independentes, mas refletem a distribuição de poder existente na sociedade em geral.
Isso é truísmo pelo menos desde Adam Smith, para quem, na Inglaterra, “os grandes arquitetos” de
políticas eram “os comerciantes e manufatores”, que punham o poder do Estado a serviço de seus
próprios interesses, por mais “penosos” que fossem os resultados dessa prática sobre a população,
incluindo a inglesa. Smith estava interessado na “riqueza das nações”, mas entendia que o
“interesse nacional” é, em grande parte, uma ilusão: no interior da “nação” existem agudos conflitos
se interesse, de modo que para se compreender a política e seus efeitos.é preciso saber com quem
está o poder e como é exercido, assunto que mais tarde veio a ser denominado “análise de classes”.
Os “grandes arquitetos” do Consenso [neoliberal] de Washington são os senhores da economia
privada, em geral empresas gigantescas que controlam a maior parte da economia internacional e
têm meios de ditar a formulação de políticas e a estruturação do pensamento e da opinião. Os