Chomsky_Noam_-_lucro_ou_as_pessoas

(mariadeathaydes) #1

quantidade de guatemaltecos politicamente conscientes”. Informações do Departamento de Estado
revelavam que a liderança democrática “insistia em manter um sistema político aberto”, permitindo
assim que os comunistas “expandissem suas operações e apelassem com sucesso aos diversos
setores da população”. Essas deficiências da democracia foram corrigi das pelo golpe militar de
1954 e pelo reinado de terror que se instalou, sempre com amplo suporte dos Estados Unidos.
O problema de assegurar o “consentimento” também se apresentou nas instituições
internacionais. No início, as Nações Unidas eram um instrumento confiável da política norte-
americana e por isso mesmo muito admiradas. Mas a descolonização trouxe o que veio a ser
chamado de “a tirania da maioria”. A partir da década de 1960, Washington passou a liderar a
política de vetos às resoluções do Conselho de Segurança (secundado pela Inglaterra e com a
França ocupando um distante terceiro lugar) e de votos solitários, ou unidos a uns poucos Estados-
clientes, contra as resoluções da Assembléia Geral. A ONU caiu em desgraça, e começaram a
aparecer na imprensa artigos circunspectos perguntando por que o mundo estava “se opondo aos
Estados Unidos”; a idéia de que os Estados Unidos pudessem estar se opondo ao mundo era bizarra
demais para ser levada em consideração. As relações dos Estados Unidos com a Corte Internacional
de Justiça e outras instituições internacionais tiveram uma evolução similar, tema ao qual
retomaremos mais adiante.
Minhas observações sobre as raízes madisonianas dos conceitos dominantes de democracia
foram injustas num importante aspecto. Tal como Adam Smith e outros fundadores do liberalismo
clássico, Madison era pré-capitalista e, em espírito, anticapitalista. Ele esperava que os governantes
fossem “estadistas ilustrados” e “filósofos benevolentes”, “cuja sabedoria era o meio mais eficaz de
distinguir os verdadeiros interesses de seu país”. Eles “aprimorariam” e “ampliariam” a “visão
pública”, resguardando os verdadeiros interesses da nação contra o “mal” das maiorias
democráticas, porém com sabedoria e benevolência.
Madison passou a pensar de outra forma quando a “minoria opulenta” começou a usar o
poder recém-adquirido de uma forma muito parecida com a que Adam Smith previra há alguns
anos. Ela tratava de buscar o que Adam Smith chamou de a “máxima vil” dos proprietários: “Tudo
para nós, nada para os outros”. Em 1792, Madison alertou para o fato de que a ascensão do estado
capitalista desenvolvimentista estava “colocando o interesse privado no lugar do dever público”,
levando “à dominação real de uma minoria sob a liberdade aparente da maioria”. Deplorava “a
ousada depravação dos tempos que correm” em que os poderes privados “se transformam em
guarda pretoriana do governo – ao mesmo tempo seu instrumento e seu tirano – seduzidos por suas
liberalidades e intimidando-o com clamores e conluios”. Eles lançavam sobre a sociedade esta
sombra que chamamos de “política”, como mais tarde observou John Dewey. Um dos maiores
filósofos do século 20 e figura de proa do liberalismo norte-americano, Dewey disse que a
democracia tem pouco conteúdo quando os grandes negócios governam a vida da nação por meio do
controle dos “meios de produção, de troca, de publicidade, de transportes e de comunicações,
reforçados pelo domínio da imprensa, das agências de notícia e de outros meios de publicidade e
propaganda”. Afirmou também que, numa sociedade livre e democrática, os trabalhadores devem
ser “os senhores de seu próprio destino industrial” e não instrumentos alugados pelos
empregadores – idéias que remontam ao liberalismo clássico e ao iluminismo, e que sempre
aparecem nas lutas populares não só nos Estados Unidos, como no mundo inteiro.

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