Chomsky_Noam_-_lucro_ou_as_pessoas

(mariadeathaydes) #1

fornecidas pelo Ministério da Informação britânico, que secretamente definia a sua tarefa como
sendo a de “dirigir o pensamento da maior parte do mundo”.
Tudo isso é boa doutrina wilsoniana, conhecida em teoria política como “idealismo
wilsoniano”. A visão pessoal de Wilson era a de que uma elite de cavalheiros dotados de “ideais
elevados” é necessária para preservar a “estabilidade” e a “correção”. É a minoria informada de
“homens responsáveis” que deve controlar a tomada de decisões, explicou Walter Lippman, outro
veterano do comitê de propaganda de Wilson, em seus influentes ensaios sobre a democracia.
Lippman foi também a mais respeitada figura do jornalismo norte-americano e célebre comentarista
de assuntos públicos durante quase meio século. A minoria informada é uma “classe especializada”
responsável pelo estabelecimento de políticas e pela “formação de uma sólida opinião pública”,
prosseguiu Lippmann. Ela deve estar livre da interferência do público em geral, formado de
“pessoas ignorantes e intrometidas, estranhas ao processo”. O público deve ser “colocado no seu
devido lugar”, prossegue Lippmann: a sua “função” é a de “espectador da ação”, não a de
participante, exceto pelos exercícios eleitorais periódicos, quando faz a sua escolha entre os
membros da classe especializada. Os líderes devem estar livres para operar em “tecnocrático
isolamento”, para usar a terminologia corrente do Banco Mundial.
Na Enciclopédia das Ciências Sociais, Harold Lasswell, um dos criadores da moderna ciência
política, advertiu que a minoria informada deve reconhecer a “ignorância e estupidez das massas” e
não sucumbir a “dogmatismos democráticos como os que afirmam que as pessoas são os melhores
juízes dos seus próprios interesses”. Não são elas os melhores juízes, nós é que somos. As massas
precisam ser controladas para o seu próprio bem, e nas sociedades mais democráticas, às quais
não se pode recorrer à força, os administradores sociais devem se voltar para uma “técnica
totalmente nova de controle, amplamente baseada na propaganda”.
Observe-se que isso é boa doutrina leninista. A similaridade entre a teoria democrática
progressista e o marxismo-leninismo é notável, coisa que Bakunin previra há muito tempo.
Com um entendimento adequado do conceito de “consentimento”, podemos ver que a
implementação da agenda empresarial por cima das objeções do público em geral se dá “com o
consentimento dos governados”, uma forma de “consentimento sem consentimento”. Essa é uma
justa descrição do que acontece nos Estados Unidos. Existe muitas vezes um hiato entre as
preferências do público e a política pública. Nos anos recentes, esse hiato tornou-se gigantesco.
Vejamos uma comparação que ajuda a esclarecer o funcionamento do sistema democrático.
Mais de 80 por cento do público pensa que o governo “é exercido em benefício da minoria e
dos interesses especiais, não do povo, contra 50 por cento em anos passados. Mais dê 80 por cento
acredita que o sistema econômico é “intrinsecamente injusto” e que os trabalhadores têm pouca voz
ativa sobre o que se passa no país. Mais de 70 por cento é de opinião de que “os negócios
adquiriram demasiado poder sobre demasiados aspectos da vida dos Estados Unidos”. E, numa
proporção de quase vinte para um, o público acredita que as grandes empresas “deveriam
eventualmente sacrificar uma parte de seus lucros para melhorar a vida de seus trabalhadores e
suas comunidades”.
As atitudes do público se mantêm teimosamente social-democráticas em importantes
aspectos, como ocorreu, durante os anos Reagan, ao contrário do que dizem as lendas. Mas
devemos também observar que tais atitudes estão muito distantes das idéias que animaram as
revoluções democráticas. Os trabalhadores da América do Norte do século 19 não rogavam aos

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