Em resumo, a ameaça é a democracia nos Estados Unidos e no estrangeiro, como ilustra
mais uma vez o exemplo escolhido. A democracia é admissível, e até bem-vinda, mas, outra vez, a
julgar pelos resultados e não pelo processo. O NAFTA foi considerado um dispositivo eficaz para
diminuir a ameaça democrática. Ele foi implementado nos Estados Unidos por meio da efetiva
subversão do processo democrático, e no México por meio da força, a despeito de protestos públicos
importantes, porém inúteis.^57 Seus resultados são hoje apresentados como um promissor
instrumento para levar a democracia à moda norte-americana aos incultos mexicanos. Ciente dos
fatos, um observador cínico talvez concorde.
Mais uma vez, os exemplos escolhidos de triunfo da democracia são os naturais, além de
interessantes e reveladores, embora não exatamente da maneira que se pretendia.
O anúncio da Doutrina Clinton veio acompanhado de um exemplo ilustrativo dos princípios
vitoriosos que é digno de prêmio: as realizações dó governo no Haiti. Uma vez que esse caso é
apresentado como o mais forte, convém observá-lo de perto.
Sim, permitiu-se que o presidente eleito retomasse ao Haiti, mas somente depois de as
organizações populares terem sido submetidas a três anos de terror por forças que mantinham
íntimas conexões com Washington em todos os sentidos; o governo Clinton ainda se recusa a
devolver ao Haiti 160 mil páginas de documentos sobre o terror de Estado apreendidos pelas forças
militares norte-americanas – “para evitar revelações constrangedoras” sobre o envolvimento do
governo dos Estados Unidos com os golpistas, de acordo com o Observatório de Direitos
Humanos.^58 Era também necessário submeter o presidente Aristide a um “curso intensivo de
democracia e capitalismo”, como o seu principal apoiador em Washington descreveu o processo de
civilização do padre criador de problemas.
Esse mecanismo não é desconhecido em outras partes, quando se trata de uma transição
importuna para a democracia formal.
Como condição para o seu retomo, Aristide foi obrigado a aceitar um programa econômico
que orienta a política do governo haitiano para as necessidades da “Sociedade Civil, em especial o
setor privado, nacional e estrangeiro”: os investidores norte-americanos são designados o núcleo da
sociedade civil haitiana, ao lado dos haitianos ricos que apoiaram o golpe militar, mas não os
camponeses e favelados que organizaram uma sociedade civil tão vibrante e vivaz que conseguiu
eleger o seu próprio presidente apesar da desvantagem esmagadora, provocando imediatamente a
hostilidade e o empenho dos Estados Unidos em subverter o primeiro regime democrático do país.^59
No Haiti, a ação inaceitável de “pessoas ignorantes e intrometidas, estranhas ao processo” foi
revertida pela violência, com a cumplicidade direta dos Estados Unidos, e não apenas por meio de
contatos com os terroristas oficiais em exercício. A Organização dos Estados Americanos declarou
um embargo. Os governos Bush e Clinton sabotaram-no desde o início, isentando as empresas
americanas e autorizando secretamente a Texaco Oil Company a abastecer os golpistas e seus
aliados ricos em violação às sanções oficiais, fato fundamental que foi conspicuamente revelado um
dia antes de as tropas americanas desembarcarem para “restaurar a democracia”^60 , mas que ainda
não chegou ao conhecimento do público e é outro improvável candidato a fazer parte da história
oficial.
Agora a democracia foi restaurada. O novo governo foi obrigado a abandonar o programa de
reformas democráticas que tanto escandalizou Washington e seguir a política do candidato de
Washington nas eleições de 1990, que recebeu 14 por cento dos votos.
mariadeathaydes
(mariadeathaydes)
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