Chomsky_Noam_-_lucro_ou_as_pessoas

(mariadeathaydes) #1

as economias devem se expandir de um modo específico, protegendo “a minoria de opulentos da
maioria”. Os opulentos, enquanto isso, merecem proteção do Estado e subsídios públicos. De que
outro modo poderiam eles prosperar em benefício de todos?
É claro que os Estados Unidos não estão sozinhos com suas concepções de “livre mercado”,
mesmo que sejam os seus ideólogos quem geralmente puxa o coro dos cínicos. O fosso entre países
ricos e pobres é creditável fundamentalmente, desde 1960, às medidas protecionistas dos ricos,
concluiu em 1992 um relatório das Nações Unidas sobre o desenvolvimento. O relatório de 1994
disse que “os países industrializados, ao violarem os princípios do livre comércio, causam um custo
aos países em desenvolvimento de cerca de 50 bilhões de dólares por ano – quase o mesmo valor do
fluxo total de ajuda externa” –, grande parte da qual é constituída de estímulos à exportação com
subsídios públicos^68. O Relatório Global 1996 da Organização para o Desenvolvimento Industrial da
ONU estima que a disparidade entre os 20 por cento mais ricos e os 20 por cento mais pobres da
população mundial aumentou mais de 50 por cento de 1960 a 1989 e prevê “um aumento crescente
da desigualdade social no mundo como resultado do processo de globalização”. Essa disparidade
crescente se apresenta também nas sociedades ricas, sob a liderança dos Estados Unidos, seguidos
não muito de longe pela Grã-Bretanha. A imprensa de negócios exulta com o crescimento
“espetacular” e “espantoso” dos lucros, aplaudindo a eitraordinária concentração de riqueza nas
mãos da pequena percentagem situada no topo da pirâmide populacional, enquanto para a maioria
as condições de vida continuam a estagnar e declinar.
As grandes empresas de comunicação, o governo Clinton e os chefes de torcida do Modelo
Americano se oferecem orgulhosamente como modelo para o resto do mundo; abafados pelo coro da
auto-aclamação estão os resultados da deliberada política social dos últimos anos, como, por
exemplo, os “indicadores básicos” recentemente publicados pela UNICEF^69 , que revelam que os
Estados Unidos têm o pior índice dentre os países industrializados, ficando ao lado de Cuba – um
pobre país do Terceiro Mundo há quase quarenta anos sob constantes ataques da grande
superpotência do hemisfério – em termos de mortalidade infantil até cinco anos. Os Estados Unidos
também batem recordes de fome, pobreza infantil e outros indicadores sociais básicos.
Tudo isso acontece no país mais rico do mundo, com vantagens sem paralelo e instituições
democráticas estáveis, mas também, num grau incomum, submetido ao governo dos negócios. São
augúrios para o futuro, em todo o mundo, se for mantido o “dramático afastamento dos ideais
políticos pluralísticos e participativos em favor de um ideal autoritário e tecnocrático”.
Vale a pena notar que, em segredo, as intenções costumam ser expressas com franqueza. Por
exemplo, no período imediatamente posterior à II Grande Guerra, George Kennan, um dos mais
influentes planejadores e considerado grande humanista, atribuiu a cada parte do mundo a sua
“função”: a função da África era ser “explorada” para a reconstrução da Europa, observou ele; os
Estados Unidos tinham pouco interesse no continente. Um ano antes, um estudo de planejamento
de alto nível exortara que “o desenvolvimento cooperativo de gêneros alimentícios e matérias primas
baratas no norte da África poderia ajudar a forjar a unidade européia e a criar uma base econômica
para a recuperação do continente”, um interessante conceito de “cooperação”.^70 Não há registro de
nenhuma sugestão no sentido de a África “explorar” o Ocidente para recuperar-se do “meliorismo
global” dos séculos anteriores.
Nessa resenha, procurei seguir um princípio metodológico razoável: apreciar o elogio dos
“princípios econômicos e políticos” do poder mundial dominante a partir de exemplos apresentados,

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