Há também o problema da natureza do “comércio”. Diz-se que mais da metade do comércio
dos Estados Unidos com o México consiste de transações intra-empresas, chegando a atingir cerca
de 15 por cento do total desde a criação do NAFTA. Já há uma década, a maioria das fábricas de
propriedade norte-americana instaladas no norte do México, empregando poucos trabalhadores e
praticamente sem nenhuma ligação com a economia mexicana, produzia mais de 33 por cento dos
blocos de motor utilizados nos automóveis americanos e 75 por cento dos demais componentes
essenciais. O colapso pós-NAFTA da economia mexicana, em 1994, que isentou apenas os muito
ricos e os investidores norte-americanos (protegidos pelas cauções do governo dos Estados Unidos),
levou ao crescimento do comércio EUA-México enquanto a nova crise, empurrando a população
para uma miséria ainda mais profunda, “transformou o México numa fonte barata [i.e., ainda mais
barata] de bens manufaturados, com salários industriais dez vezes menores do que os dos Estados
Unidos”, segundo informa a imprensa. De acordo com especialistas, metade do comércio mundial
norte-americano consiste dessas transações centralmente administradas, o mesmo valendo para as
demais potências industriais^64 , embora devamos ser cautelosos ao tirar conclusões acerca de
instituições com controle público tão limitado. Alguns economistas descreveram, de maneira
bastante plausível, o sistema mundial como um “mercantilismo de corporações”, muito distante,
portanto, do ideal do livre comércio. A OCDE concluiu que são a “competição oligopolística e a
interação estratégica entre firmas e governos, e não a mão invisível das forças do mercado, que
condicionam as atuais vantagens competitivas e a divisão internacional do trabalho nas indústrias
de alta tecnologia”^65 , adotando assim, implicitamente, uma visão similar.
Até mesmo a estrutura básica da economia nacional viola os aclamados princípios
neoliberais. Nos trabalhos sobre a história dos negócios nos Estados Unidos, é comum considerar
como tema principal o fato de que “as empresas modernas tomaram o lugar dos mecanismos de
mercado na coordenação das atividades econômicas e na alocação de recursos”, sendo muitas
transações manejadas internamente, o que constitui outro grande desvio dos princípios do
mercado^66. Mas há outros. Consideremos, por exemplo, o destino do princípio smithiano de que a
livre movimentação de pessoas – através das fronteiras, por exemplo – é um componente essencial
do livre comércio. Quando nos transportamos para o mundo dos conglomerados transnacionais,
com suas alianças estratégicas e o suporte essencial de Estados poderosos, o hiato entre doutrina e
realidade toma-se evidente.
As declarações públicas devem ser analisadas à luz desses fatos, dentre os quais a
conclamação de Clinton por comércio, em vez de ajuda, para a África, e por medidas que beneficiam
justamente os investidores norte-americanos, a retórica altissonante que procura evitar questões
como a longa história desse tipo de política e o fato de que os Estados Unidos já possuíam o mais
miserável programa de ajuda dentre todos os países desenvolvidos mesmo antes da grande
inovação. Ou ainda, para tomar o exemplo óbvio, o perfil que Chester Crocker traçou dos planos do
governo Reagan para a África, em 1981. “Nós defendemos as oportunidades para o livre mercado, o
acesso aos recursos-chave e a expansão das economias africana e norte-americana”, ele disse, e
queremos trazer os países africanos “para dentro da corrente geral da economia de livre
mercado”.67 Essa declaração talvez pareça ultrapassar os limites do cinismo, vinda dos líderes do
“assalto sustentado” contra a “economia de livre mercado”. Mas a descrição de Crocker é justa,
quando a analisamos sob o prisma da doutrina do mercado realmente existente. As oportunidades
para o mercado e o acesso aos recursos são para os investidores estrangeiros e seus sócios locais, e
mariadeathaydes
(mariadeathaydes)
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