Chomsky_Noam_-_lucro_ou_as_pessoas

(mariadeathaydes) #1

explicar por que o presidente deve negociar acordos comerciais sozinho, sem a intromissão do
público.
O AMI tem o sólido apoio das instituições financeiras e industriais, estreitamente envolvidas
em seu planejamento, desde o início: por exemplo, o Conselho dos Estados Unidos para Negócios
Internacionais, que, conforme seus próprios termos, “promove os interesses globais dos negócios
americanos no país e no exterior”. Em janeiro de 1996, o Conselho chegou a publicar um Guia do
Acordo Multilateral sobre o Investimento, disponível para o seu público empresarial e seus
respectivos círculos, e certamente para a mídia. Mesmo antes de o Fast Track ser apresentado no
Congresso, o Conselho solicitou ao governo Clinton que incluísse o AMI na legislação então
pendente, informou O Miami Herald em julho de 1997 – aparentemente a primeira, e rara, menção
ao AMI na imprensa; voltaremos ao tema com mais detalhes.^75
Por que, então, o total silêncio durante a controvérsia do Fast Track e sobre o AMI? Uma
razão plausível nos ocorre. Poucos líderes políticos e da mídia duvidam que, se o povo fosse
informado, não ficaria nada contente com o AMI. Os adversários poderiam uma vez mais brandir a
sua “arma definitiva”, se os fatos viessem à luz. Fazia sentido, portanto, que as negociações sobre o
AMI fossem conduzidas sob uma “capa de segredo” para usar o termo empregado pelo ex-presidente
da Suprema Corte australiana, Sir Anthony Mason, ao condenar a decisão de seu governo de retirar
do escrutínio público as negociações em tomo de “um acordo que pode ter um grande impacto na
Austrália se for ratificado”.^76
Por aqui não se ouviu nenhuma voz como a do juiz Mason. Teria sido supérfluo: a capa de
segredo foi defendida com muito maior vigilância em nossas instituições livres.
Dentro dos Estados Unidos, são poucos os que sabem alguma coisa sobre o AMI, que já vinha
sendo objeto de intensas negociações na OCDE desde maio de 1995. A data-limite para o
lançamento era maio de 1997. Se o objetivo tivesse sido atingido, o público teria ficado sabendo
sobre o AMI tanto quanto a respeito da Lei de Telecomunicações de 1996, outro fabuloso presente
do governo às concentrações de poder privado, quase que totalmente reservado às páginas
econômicas. Mas os países membros da OCDE não chegaram a um acordo no tempo previsto, e a
data-limite foi adiada por um ano.
O plano original e preferencial era forjar o acordo no interior da Organização Mundial do
Comércio. Mas essa tentativa foi bloqueada pelos países do Terceiro Mundo, particularmente a
Índia e a Malásia, que perceberam que as medidas que estavam sendo elaboradas iriam privá-los
dos mecanismos que haviam sido empregados pelos países ricos para conquistar o seu lugar ao sol.
As negociações foram então transferidas para as instalações mais seguras da OCDE, em que era
esperado que se chegaria a um acordo “ao qual os países emergentes quereriam se juntar”, como
disse delicadamente o London Times^77 – sob pena de serem excluídos dos mercados e dos recursos
dos ricos, o familiar conceito de “livre escolha” vigente em sistemas de grande desigualdade de
poder e riqueza.
Por quase três anos, a gentalha foi mantida em uma bem aventurada ignorância sobre o que
se estava passando. Mas não inteiramente. No Terceiro Mundo, o AMI tomou-se um assunto muito
discutido no início de 1997.78 Na Austrália, a notícia veio a público em janeiro de 1998 nas páginas
econômicas, provocando uma enxurrada de reportagens e controvérsias na imprensa do país; daí a
condenação de Sir Anthony Mason, falando numa convenção em Melbourne. O partido da oposição
“exortou o governo a submeter o acordo ao comitê parlamentar de tratados antes de assiná-lo”,

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