Chomsky_Noam_-_lucro_ou_as_pessoas

(mariadeathaydes) #1

Não surpreende, portanto, que essa história tenha seguido um curso singular no país mais
poderoso do mundo, onde os “homens bons” se declaram os campeões da liberdade, da justiça, dos
direitos humanos e – acima de tudo – da democracia. Os líderes da mídia com certeza sempre
souberam tudo sobre o AMI e suas amplas implicações, assim como os intelectuais públicos e os
especialistas de sempre. Como já assinalado, o mundo dos negócios não apenas era sabedor como
estava ativamente envolvido. Mas numa impressionante demonstração de autodisciplina, com
exceções não mais numerosas do que o erro estatístico, a imprensa livre conseguiu manter na
escuridão aqueles que confiam nela – tarefa nada fácil nesse nosso complicado mundo.
O mundo das grandes empresas empresta ao AMI um apoio esmagador. Embora o silêncio
impeça a citação de depoimentos, é justo supor que os setores do mundo empresarial dedicados ao
esclarecimento do público sejam não menos entusiásticos. Uma vez mais, porém, eles sabem que a
“arma definitiva” pode ser desembainhada se a gentalha vier a saber o que se está passando. Esse
dilema tem uma solução natural. Já o estamos observando há quase três anos.


O PÚBLICO QUE CONTA E O QUE NÃO CONTA


Os defensores do AMI têm um único argumento de peso: seus críticos não possuem
informação suficiente para apresentar uma causa totalmente convincente. O propósito da “capa de
segredo” foi assegurá-lo, de modo que os esforços foram bem sucedidos. Isso é uma trágica verdade
nos Estados Unidos, país que possui as mais estáveis e duradouras instituições democráticas e que
pode, portanto, reivindicar-se com toda a justiça como modelo da democracia estatal-capitalista.
Com essa experiência e esse status, não é surpresa que os princípios da democracia sejam ali
claramente compreendidos e lucidamente expressos nos altos escalões. Samuel Huntington,
eminente cientista político de Harvard, por exemplo, afirma simplesmente em seu texto American
Politics que o poder deve permanecer invisível para que seja eficiente: “Os arquitetos do poder nos
Estados Unidos devem criar uma força que possa ser sentida, mas não vista. O poder se mantém
forte quando permanece à sombra; exposto à luz do sol ele começa a evaporar”. Ele ilustrou a sua
tese nesse mesmo ano (1981), quando explicou a função da “ameaça soviética”: “Temos de vender [a
intervenção ou qualquer outra ação militar] de forma a criar a falsa impressão de que é a União
Soviética que estamos combatendo. É o que os Estados Unidos vêm fazendo desde a Doutrina
Truman”.^81
Esses são os limites – “criar uma falsa impressão” para iludir o público e excluí-lo por
completo – dentro dos quais os líderes responsáveis exercem o seu ofício nas sociedades
democráticas.
Não obstante, é injusto acusar as potências da OCDE de estarem conduzindo negociações
secretas. Afinal, os ativistas conseguiram colocar uma minuta do tratado, ilicitamente obtida, na
Internet. Os leitores da “imprensa alternativa” e das publicações do Terceiro Mundo, além de outros
infectados pela “aliança profana”, vêm acompanhando os acontecimentos pelo menos desde o início
de 1997. E, no que diz respeito à grande imprensa, não é contraditória a participação direta da
organização que “promove os interesses globais das empresas americanas” e suas congêneres dos
demais países ricos.

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