A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1

102 / A loucura da razão econômica


importância à ideia de que o conhecimento se tornou uma forma de valor que
circula como capital. Para eles, a economia se baseava em mercadorias e passou a se
basear em conhecimento. Dada a ascensão dos direitos de propriedade intelectual
como característica crucial do capitalismo contemporâneo, boa parte do conheci­
mento produzido hoje possui um preço. Mas a hipótese de que o conhecimento
seria valor que circula é forçada e não está estabelecida. O saber científico e técnico
em particular é um daqueles itens que podem ter preço e não possuir nenhum
valor. Ele vem sendo construído pouco a pouco ao longo de gerações e, segundo
Marx, deveria ser um bem gratuito, uma dádiva da história cultural da natureza
humana, disponível a qualquer um que queira usá-lo. O fato de o conhecimento
comum [knowledge commons] ser cada vez mais cercado, privatizado e transforma­
do em mercadoria diz algo sobre a trajetória contemporânea do capitalismo.
Os capitalistas cognitivos, porém, insistem que essa é a direção que o próprio Marx
apontou nos Grundrisse. Numa passagem muito citada, ele examina como os produ­
tos do “intelecto geral” afetam as dinâmicas de acumulação. O foco de Marx aqui não
é discutir o conhecimento como uma forma de valor, e sim analisar como o conhe­
cimento e as capacidades mentais - as dádivas gratuitas da natureza humana - são
incorporados ao capital fixo da produção de valor de modo a aumentar a produtivi­
dade do trabalho a ponto de a mão de obra, o agente da produção de valor, tornar-se
redundante (a guinada para a inteligência artificial em nossos tempos é um exemplo
disso). Marx sugere que isso vai tornar redundante a teoria do valor-trabalho. O objeto
da investigação de Marx é o capital fixo, e não o conhecimento em si7. Todos aqueles
saberes que não podem ser embutidos no capital fixo são irrelevantes. Marx está inte­
ressado apenas naquelas formas de conhecimento que podem elevar a produtividade
do trabalho. Nisso, a ciência da administração é tão importante quanto a engenharia
genética e o conhecimento necessário para a construção de motores a jato.
Há, no entanto, uma questão vital sobre como a imaginação e a criatividade
humanas - dádivas gratuitas da natureza humana - podem ser mobilizadas e apro­
priadas para produzir uma tecnologia ou forma organizacional como mercadoria
para ser vendida no mercado. O “que desde o início distingue o pior arquiteto
da melhor abelha é o fato de que o primeiro tem a colmeia em sua mente antes
de construí-la com a cera”8. Idéias, conhecimentos e imaginação, sendo dádivas
gratuitas da natureza humana, podem servir de importantes insumos de valor de
uso para as tecnologias de produção. O posicionamento da imaginação humana
no processo de trabalho é significativo. A imaginação humana, não importa quão
fértil ou inquieta seja, não aparece do nada. Qualquer nova construção de conhe-


7 Karl Marx, Grundrisse, cit., p. 636-46.
8 Idem, O capital, Livro I, cit., p. 255-6.

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