A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1
106 / A loucura da razão econômica

Um antídoto óbvio a essa tendência é abrir novas linhas de atividade produtiva
que sejam trabalho-intensivas para compensar a perda de postos de trabalho na ma­
nufatura e nos setores mais tradicionais da produção de valor. Recentemente, por
exemplo, houve uma expansão considerável em setores trabalho-intensivos, como
logística, transportes e preparação de comida (ligados ao florescente mercado de tu­
rismo). Há um processo crescente de absorção do trabalho em todos os tipos de ati­
vidade, desde provisão de infraestrutura de longo prazo até montagem de espetáculos
(que são quase instantaneamente consumidos para se adequar ao ideal capitalista
de tempo de circulação nulo). Parte da mão de obra dispensada pela robotização e
pela automação de determinados postos de trabalho na indústria foi absorvida dessa
forma. O equilíbrio entre perdas e ganhos de postos de trabalho parece estar por um
fio, embora haja um consenso de que a degradação qualitativa dos empregos esteja na
base de uma alienação cada vez mais disseminada na força de trabalho.
A outra opção é aumentar o fluxo de bens gratuitos como insumos na produ­
ção capitalista e prevenir a apropriação e extração de rendas monopólicas desses
fluxos. E interessante que Marx acreditava que a redução de rendas e tributos era
uma maneira de debelar a queda dos lucros15. É igualmente interessante que al­
guns dos mais vigorosos setores de desenvolvimento da atualidade — como Google,
Facebook e o resto do setor digital — tenham crescido à custa do trabalho gratuito.
E não deixa de ser interessante que as chamadas “indústrias culturais”, que se valem
em peso de trabalho não alienado e criativo do tipo realizado pelo bicho-da-seda,
tenham crescido rapidamente como campos de organização e expansão capitalistas
nos últimos anos.
Muito do que acontece no capitalismo é motivado por atividades nos mercados
de determinação de preços que não têm a ver diretamente com a produção de va­
lor, salvo quando se criam valores de uso que íàcilitam a produção de mais-valor.
Isso coloca muitas atividades e trocas fora da esfera de produção e circulação de
valor, ainda que sejam relevantes como fontes de valores de uso. O turismo, que
mercantiliza as dádivas gratuitas da natureza, da história, da cultura e os espetá­
culos naturais como insumos sem custo e sem valor, é organizado de modo capi­
talista e, portanto, produz valor e mais-valor. Surge aqui certa ambiguidade, pois
a preservação e o acesso a uma história, uma cultura e até um espetáculo natural
mercantilizados requer um trabalho de manutenção das qualidades e do acesso. A
combinação de dádivas gratuitas e valores em forma-mercadoria presentes em um
pacote turístico é intrigante. Tal trabalho também pode ser organizado de maneira
capitalista e, portanto, contribuir para a produção de valor e mais-valor. Isso não


15 David Harvey, “Crisis Theory and the Falling Rate of Profit”, em Turan Subasat (org.), The Great
Meltdown of2008: Systemic, Conjunctural or Policy Created? (Cheltenham, Edgar Elgar, 2016).
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