A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1
A questão da tecnologia / 115

hardware das máquinas. Para serem efetivos, computadores e telefones celulares
requerem programas e aplicativos, bem como redes de comunicação. Se você for
parar em algum local sem sinal, toda a sofisticação disponível no seu celular não
servirá para muita coisa. A evolução das formas organizacionais (tais como as em­
presas capitalistas modernas, as redes de comunicação, as universidades e institutos
de pesquisa) foi tão importante quanto o desenvolvimento do hardware (o com­
putador e a mecânica da linha de produção) e do software (design programado,
aplicativos, agendamento otimizado e sistemas de gestão just-in-time). Ainda que
sejam importantes e úteis as distinções entre hardware, software e forma organiza­
cional, é preciso aprender a reconhecer cada um desses elementos como uma rela­
ção interna do outro. E possível, obviamente, escrever sobre a evolução do design
automobilístico em si, mas fazer isso como se as inovações de Henry Ford na linha
de produção não tivessem tido nenhum papel na evolução subsequente da indús­
tria seria simplesmente deixar de lado algo vital para a história. Seria como escrever
a história do computador sem fazer menção à Microsoft: e às consequências sociais
e políticas da internet.
Apesar de circunscrita em termos de enfoque, a análise que Marx faz da tecnolo­
gia está ligada a uma abordagem ampla de seu papel na trajetória evolutiva do capital.
“A tecnologia”, escreve Marx em uma importante nota de rodapé d’O capital, “desve­
la a atitude ativa do homem em relação à natureza, o processo imediato de produção
de sua vida e, com isso, também de suas condições sociais de vida e das concepções
espirituais que delas decorrem.”4 “Desvelar” não significa “determinar”.
Marx não era um “determinista tecnológico”. A visão disseminada, comum a
muitos de seus detratores e defensores, de que ele considerava as transformações
nas forças produtivas o principal motor da mudança histórica é incorreta. Sem dú­
vida, as relações contraditórias entre o dinamismo tecnológico e as relações sociais
do capitalismo desempenharam um papel importante e frequentemente desestabi­
lizador na história do capital, mas essa não foi a única contradição nessa história5.
Da mesma maneira, a história pode até ser a história das lutas de classes, mas está
longe de ser apenas isso. Muitas dessas frases de efeito de Marx podem induzir a
erro. Deve-se sempre verificá-las no trabalho substancial de Marx para precisar de
que maneira se deve interpretá-las. Por exemplo, por que ele escreveu o Livro II
d’O capital sob a assunção da mudança tecnológica nula e não fez sequer uma
menção à luta de classes? Certamente o conteúdo do Livro II é relevante para a
evolução do capital, não? A grande discussão sobre serem as forças produtivas ou as


4 Ibidem, n, 89, p. 446.
5 Turan Subasat (org.), The Great Meltdown of2008, cit.; Neil Larsen et al. (orgs.), Marxism and the
Critique o f Valué, cit.

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