116 / A loucura da razão econômica
relações sociais o primeiro motor do desenvolvimento capitalista acaba perdendo o
ponto essencial. Ela não situa o estudo de Marx sobre a tecnologia no contexto da
totalidade das relações que constituem uma formação social capitalista. Também
assume, sem nenhum bom motivo, que deve haver um motor principal.
No Livro I, Marx nos convida a considerar como todos os diferentes “momen
tos” listados acima (aos quais acrescentei arranjos institucionais dos tipos descritos
no segundo capítulo do Livro I para completar a lista) interagem e se relacionam
uns com os outros. Nossas concepções espirituais dependem, por exemplo, de nossa
habilidade de ver, medir, calibrar; hoje, temos telescópios e microscópios, raios-x,
tomografias computadorizadas etc. que nos ajudam a compreender como o cos
mo e o corpo humano funcionam. Mas, isso posto, devemos considerar por que
alguém em determinado lugar concebeu algo como o telescópio ou o microscópio
e quem descobriu os cortadores de lentes e artesãos para fabricá-los, além de um
mecenas para usá-los (em geral em situação de antagonismo e oposição). O resul
tado foi o desenvolvimento de novas maneiras de ver, novas concepções do mundo
da natureza e de nosso lugar nele por intermédio desses novos instrumentos. Como
o poeta William Blake disse certa vez: “ What now is proved ivas once only im agiríd’
[Aquilo que hoje está comprovado não foi outrora senão imaginado].
Todos os sete momentos - tecnologias, relação com a natureza, relações sociais,
modo de produção material, vida cotidiana, concepções espirituais e estruturas
institucionais - se relacionam no interior da totalidade do capitalismo em um
processo de evolução contínua, movido pela circulação contínua de capital, que
opera, por assim dizer, como o motor da totalidade. Desenvolvimentos em todos
os sete momentos — todos autônomos e independentes, mas ao mesmo tempo
sobrepostos e vinculados uns aos outros — podem conduzir a totalidade em uma
ou outra direção. Pelo mesmo motivo, recalcitrância ou imobilidade em torno de
qualquer um dos momentos podem atravancar transformações em processos que
estão ocorrendo nos outros. Inovações tecnológicas na forma-dinheiro não levam
a lugar algum, como vimos anteriormente, se não forem acompanhadas de no
mínimo transformações paralelas nas relações sociais, nas concepções espirituais e
nos arranjos institucionais. Novas tecnologias (como a internet e as mídias sociais)
prometem um futuro socialista utópico, mas, na ausência de outras formas de
ação, acabam cooptadas pelo capital e transformadas em novas formas e modos de
exploração e acumulação. Mas, pelo mesmo motivo, mudanças autônomas em um
dos momentos podem provocar transformações dramáticas em todo o conjunto.
O surgimento repentino de novos patógenos, como HIV/Aids, ebola ou zika, exige
rápida adaptação ao longo de todos os sete momentos. A dificuldade de nos orga
nizarmos para lidar com a mudança climática é que isso exige mudanças drásticas
em todos os sete momentos. O fato de algumas pessoas negarem o problema (con-