A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1
A produção de regimes de valor / 157

funciona plenamente como a mercadoria cuja forma natural é, ao mesmo tempo, a
forma imediatamente social de efetivação do trabalho humano in abstracto. Sua forma
de existência toma-se adequada a seu conceito.12

Assim, os “diferentes uniformes nacionais que o ouro e a prata vestem” são
novamente “despojados” quando emergem “no mercado mundial”. H á um a “se­
paração entre as esferas internas ou nacionais da circulação das mercadorias e a es­
fera universal do mercado mundial”. O “verdadeiro” valor das mercadorias, insiste
Marx, repousa sobre o mercado mundial, e sua forma monetária mais adequada de
representação é o ouro13.
Se a disjunção entre dinheiros locais e mundiais é tão evidente, então por que
não imaginar que o mesmo se aplica também ao próprio valor? A suposição tácita
de que o valor é singular e universal, ao contrário de múltiplo e regionalmente de­
sagregado, não passa disto: um a suposição. A justificativa de M arx é que somente
no mercado mundial o dinheiro pode assumir sua form a material universal — a do
ouro - que está fora do alcance e além de qualquer manipulação humana. A reserva
global de ouro era e ainda é relativamente inelástica e em boa parte já foi tirada da
terra, de um a forma ou outra. O imperativo de redução dos custos de transação
no comércio levou à produção de múltiplos dinheiros localizados, que eram me­
ros símbolos de valor. Todavia, o mesmo vale para o ouro. A diferença é que essas
outras formas não metálicas de dinheiro são vulneráveis à manipulação humana
arbitrária. Menos fiáveis ainda são os “dinheiros registrados em conta” e os com ­
plicados sistemas de geração de dívida e “dinheiros de crédito”. O ouro funcionava
como o pivô material sólido e confiável ao qual recorriam todas as outras opções
fictícias e, de outra forma, incontroláveis de dinheiro.
C om o passar do tempo, no entanto, o ouro tornou-se cada vez menos relevante
para o comércio, mesmo em âmbito global. D epois de meados dos anos 1970, o
sistema monetário mundial abandonou os últimos vestígios do lastro no padrão-
-ouro. M arx tinha certeza de que isso jam ais aconteceria. Mas, nesse ponto, estava
claramente errado, e é preciso considerar as consequências teóricas e práticas desse
equívoco. Hoje, até mesmo no mercado mundial, o dinheiro é representado por
formas monetárias que não possuem base material em mercadoria alguma. Es­
sas formas monetárias estão sujeitas à manipulação humana (como flexibilização
quantitativa nos bancos centrais). Existe oportunidade para qüe surjam regimes
monetários, em concorrência uns com os outros, disputando o poder de repre­
sentação do valor no mercado mundial. Qualquer moeda que cumprir o papel de


12 Ibidem.p. 215.
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