156 / A loucura da razão econômica
de Mateus (25:29): “porque a todo aquele que tem será dado e terá em abundância,
mas daquele que não tem, até o que tem será tirado”. E isso o que a equalização da
taxa de lucro faz. As consequências têm um alcance potencialmente longo, dada a
insistência de M arx (e de Ricardo) de que o trabalho é a fonte última do valor. O
comércio entre um regime capital-intensivo (tal como o da Alemanha) e regimes
trabalho-intensivos (tais como o de Bangladesh) resultará na transferência de valor
e mais-valor do segundo para o primeiro. Isso será realizado de maneira “silenciosa”
e “natural” através do próprio processo do mercado. Para tanto, não são necessá
rias táticas imperialistas de dominação e extrativismo, mas a simples promoção de
práticas de livre-comércio. Essa é a maneira “silenciosa” pela qual regiões ricas enri
quecem à custa das regiões pobres, que vão ficando cada vez mais para trás. Por esse
motivo, muitos dos ditos países em desenvolvimento recorrem ao protecionismo,
particularmente no caso das chamadas “indústrias nascentes”. Isso também ajuda
a explicar por que tantos países em desenvolvimento, a começar pelo Japão dos
anos 1960, preferem organizar e subsidiar formas de desenvolvimento capitalista
capital-intensivas, em vez de formas trabalho-intensivas10 11. Aquilo que se denomina
“subir na cadeia de valor” em direção a produções de maior valor agregado torna-
-se uma ambição generalizada. Q uando acrescemos a tais transferências de valor as
maneiras pelas quais a geografia da valorização e da produção de valor diferem da
geografia da realização de valor, a geografia fluida dos fluxos de capital que atra
vessam e permeiam as paisagens diferenciais da circulação de capital aparece como
a expressão material da natureza do capital. N o interior desses fluxos, emergem
configurações regionais em torno das quais se formam, ao menos por certo tempo,
arranjos relativamente estáveis e geograficamente fixos de mobilização de m ão de
obra, divisões de trabalho e investimentos em infraestruturas sociais e físicas, pro
dução, realização e distribuição de valor.
U m a análise dos arranjos monetários reforça o argumento para se postular a
existência de distintos regimes de valor regionais. N o Livro I d ’ O capital, M arx as
sinala uma disjunção crucial entre as mercadorias-dinheiro globais — ouro e prata —
e as diversas moedas fiduciárias locais — que existem para facilitar as dinâmicas de
troca e que são um a “tarefa que cabe ao Estado” 11.
Ao deixar a esfera da circulação interna, o dinheiro se despe de suas formas locais [...] e
retorna à sua forma original de barra de metal precioso. No comércio mundial, as mer
cadorias desdobram seu valor umversalmente. Por isso, sua figura de valor autônoma
as confronta, aqui, como dinheiro mundial. Somente no mercado mundial o dinheiro
10 Chalmers Johnson, M ITI and the Japanese Miracle (Stanford, Stanford University Press, 1982).
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