Coda
O filósofo Jacques Derrida cunhou a expressão “a loucura da razão econômica” em
seu comentário ao ensaio de Marcei M auss sobre as cerimônias de “potlatch” , realiza
das pelas comunidades indígenas da Colúm bia Britânica. Essas cerimônias periódicas
implicavam uma competição entre os lares, que deveriam doar ou destruir suas pos
ses a fim de adquirir prestígio, honra e status. O s primeiros relatos ocidentais sobre
essa cerimônia a interpretavam com base no marco conceituai de uma economia
de mercado. Desse ponto de vista, assim como da perspectiva da razão iluminista,
o sacrifício da riqueza pessoal e familiar, duramente acumulada ao longo de muitos
anos, parecia irracional. Para Mauss, essa linguagem conduzia a equívocos. Por isso,
ele substituiu os conceitos de “dívida” e “ressarcimento” pelos de “dádiva” e “retribui
ção de presentes”. D aí o conceito de uma economia não mercantil da dádiva, que
até hoje desperta interesse. Aparentemente, Derrida celebrou-a como um substituto
adequado ao modelo de bem-estar social gerido pelo Estado. M as o que também im
pressionou tão poderosamente Mauss e, por extensão, Derrida foi a loucura frenética
de destruição em que as cerimônias de potlatch frequentemente culminavam. “N ão
se trata nem sequer de dar e retribuir” , escreveu Mauss, “mas de destruir, para não
dar nem mesmo a impressão de desejar retribuição. Queimam-se caixas de óleo de
olachen (peixe-vela) ou de óleo de baleia, queimam-se casas e milhares de mantas; os
mais valiosos objetos de cobre são quebrados, atirados na água, para esmagar, para
‘calar’ o rival.” Era isso o que Mauss considerava verdadeiramente louco. “H á sempre
um momento” , comenta Derrida, “em que essa loucura começa a incinerar a palavra
ou o próprio significado da dádiva e disseminar, sem retorno, suas cinzas...” 1
1 Jacques Derrida, “The Madness o f Economic Reason”, em Given Time: I. CounterfeitMoney (Chi
cago. Chicaeo University Press, 1992); Marcei Mauss, “Ensaio sobre a dádiva: forma e razão da