A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1
30 / A loucura da razão econômica

O capital completa o círculo e recai novamente no processo de valorização. Cada um
dos agentes citados reivindica uma parcela do mais-valor na forma de lucro sobre o
capital industrial, de lucro sobre o capital comercial, de renda sobre terras, imóveis e
outras formas de direitos de propriedade e de juros sobre o capital-dinheiro.
Cada uma dessas formas de distribuição tem raízes antigas, que precedem a
ascensão da forma de circulação que estamos descrevendo aqui. Em capítulos his­
tóricos, Marx reconhece claramente a importância das formas “antediluvianas” do
capital, como as denomina. Sua abordagem para compreender essas categorias e
demandas é singular. Ele indaga: como os “capitalistas industriais”, os produtores
de valor e mais-valor na forma de mercadoria, se dispõem a compartilhar parte
do valor e do mais-valor que eles geram, uma vez que ele é monetizado, com esses
outros requerentes? Qual, afinal, é a função indispensável dos comerciantes, dos
proprietários de terras e dos banqueiros no capitalismo avançado? Essa pergunta
necessariamente desemboca em outra. Como esses outros requerentes se organizam
política e economicamente para se apropriar, sem nenhuma vergonha, do máximo
de valor que puderem dos capitalistas industriais, muito mais do que se justificaria
pelo desempenho de sua função indispensável? Disputas faccionais no interior da
classe capitalista são evidentes por toda parte, e Marx reconhece esse fato em suas
exposições preliminares sobre o sistema financeiro e bancário. Mas sua contribui­
ção mais sólida aparece na forma como ele responde à primeira questão, deixando
a nosso cargo as condições conjunturais e os balanços de poder normalmente en­
volvidos, quando se trata de fornecer uma resposta à segunda questão.
Há, no entanto, uma tendência a encarar a distribuição como o produto final
passivo da produção de mais-valor. Mas a análise de Marx mostra que as coisas não
são bem assim. Finanças e bancos não são meros receptores passivos de sua parcela
da alíquota do mais-valor produzido na forma-dinheiro. Eles são intermediários
ativos e agentes da circulação de dinheiro de volta à produção de mais-valor por
meio da circulação de capital portador de juros. O sistema bancário, com o banco
central no topo, é um cadinho de criação de dinheiro sem consideração pela cria­
ção de valor na produção. É por esse motivo que financistas e banqueiros são tanto
impulsionadores da circulação de valor como beneficiários da produção anterior
de mais-valor. A circulação de capital portador de juros que demanda um retorno
baseado no direito de propriedade introduz uma dualidade no interior daquilo que
tem sido conceitualizado até agora como um simples fluxo de valor em movimen­
to. Os capitalistas industriais internalizam esse duplo papel: como organizadores
da produção de mais-valor, eles se engajam em um conjunto de práticas; como
proprietários de capital na forma-dinheiro, recompensam a si mesmos com o paga­
mento de juros sobre o dinheiro que eles próprios adiantam. Ou então tomam di­
nheiro emprestado para começar seus próprios negócios e pagam juros a terceiros.

Free download pdf