O capital / 39
damente fora da realidade. Ainda que comece dizendo que tomará isso como pres
suposto por conveniência, ele afirma posteriormente que “as revoluções no valor, na
medida em que sáo gerais e se distribuem de modo uniforme, não alteram em nada
as relações entre os componentes de valor do produto total anual”4. Em segundo
lugar, ele ignora os fatos da distribuição, que, com exceção dos salários e dos lucros
brutos (os quais também aparecem no Livro I), ficam para o Livro III. Esse último
pressuposto é particularmente irritante, porque ele assinala várias vezes no Livro II
que os problemas de coordenação dos diferentes tempos de rotação e dos diferentes
investimentos de capital fixo têm solução quando se recorre ao sistema de crédito,
mas se recusa a elaborar tais soluções no Livro II porque ainda precisa desenvol
ver sua teoria de juros e finanças5. Contudo, mais estranha, dado seu interesse por
questões relativas à realização de valor, é a pressuposição de que todas as merca
dorias são comercializadas por seu valor. Ele parte desse princípio no Livro I, por
isso é surpreendente que essa mesma suposição seja repetida aqui. No Livro II,
entretanto, ela tem um papel bastante diferente. Ele parte do pressuposto de que
tudo está em equilíbrio e, com base nisso, define o que teria de acontecer para
que as coisas terminassem nesse estado. Os modelos inovadores dos esquemas de
reprodução encontrados no fim do Livro II são vistos em geral como os precursores
das modelagens econômicas que mais de meio século depois se tornaram a base da
macroeconomia. Eles mostram matematicamente as proporcionalidades que teriam
de ser estabelecidas entre a produção de bens salariais para os trabalhadores e a pro
dução de bens de investimento e de luxo para os capitalistas para que o equilíbrio
entre oferta e demanda seja garantido.
Esse feito significativo e, em certos aspectos, magnífico não pode esconder, no
entanto, as limitações impostas pelo pressuposto sobre o qual se assenta. Curiosa
mente, uma pequena dose de mudança tecnológica é introduzida nesses modelos,
mas apenas o suficiente para chegar a um crescimento equilibrado. Investigações
posteriores revelaram que há um caminho de evolução tecnológica que poderia ga
rantir um crescimento equilibrado no interior desses esquemas de reprodução, mas
não há como o processo concorrencial por trás da produção de mais-valor relativo
(como identificado no Livro I) se restringir a esse caminho. Portanto, é muito pro
vável, se não inevitável, que ocorram crises de desproporcionalidade.
Os pressupostos limitantes não são o único problema do Livro II. Muito mais
desagradável é o fato de a própria análise ser incompleta. O material a partir do
qual Engels redigiu o Livro II d’O capital é difuso e, em muitos casos, mais uma
reflexão preliminar do que um produto acabado. Não constitui uma análise defi-
4 Ibidem, p. 497.
5 Ibidem, p. 264.