A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1

60 / A loucura da razáo econômica


escrupulosamente a ideia de que o dinheiro seria o valor encarnado, ou um sím­
bolo arbitrário imposto por convenção às relações de troca (uma concepção mui­
to disseminada na economia política da época). O valor não pode existir sem o
dinheiro como sua forma de expressão2. Por outro lado, por mais autônomo que
pareça, o dinheiro não pode cortar o cordão umbilical que o une ao que ele repre­
senta. Devemos pensar o dinheiro e o valor como autônomos e independentes em
relação um ao outro, mas dialeticamente interligados. Esse tipo de relação tem uma
longa história. É assim que Marx a concebe:


No decorrer da nossa exposição ficou evidenciado como o valor, que apareceu como
uma abstração, só se torna possível [...] quando é posto o dinheiro; a circulação do
dinheiro, por outro lado, leva ao capital, ou seja, só pode estar plenamente desenvol­
vida sobre a base do capital, da mesma forma que somente sobre a base do capital a
circulação pode se apoderar de todos os momentos da produção. Por essa razão, no de­
senvolvimento manifesta-se não somente o caráter histórico das formas, como o capital,
que pertencem a uma determinada época histórica; mas tais determinações que, como
o valor, aparecem em termos puramente abstratos, mostram o fundamento histórico
do qual são abstraídas, e que, por isso, é o único fundamento sobre o qual podem se
manifestar [...] e tais determinações que pertencem “mais ou menos” a todas as épocas,
como o dinheiro, mostram a modificação histórica que sofrem.3

Para Marx, todas as principais categorias em O capital, tomadas em conjunto,
são abstrações ancoradas na experiência histórica e nas práticas do capitalismo. “O
conceito econômico do valor não ocorre entre os antigos. [...] O conceito de valor
pertence completamente à economia mais moderna, porque é a expressão mais
abstrata do próprio capital e da produção baseada nele.”4 As categorias que pos­
suem uma história mais longa, como renda, juros e lucro sobre o capital comercial,
foram adaptadas com o tempo às exigências de um modo de produção capitalista.
É o que ocorre com o dinheiro. O problema é como distinguir entre as caracterís­
ticas do dinheiro específicas do capitalismo e as várias formas de dinheiro (como
as conchas de cauri ou as contas wampuni) que existiam antes dele. Essa questão se
torna duplamente importante quando analisamos o crédito.


A permanente continuidade do processo [de circulação], a passagem desimpedida e
fluente do valor de uma forma à outra, ou de uma fase do processo à outra, aparece

2 Idem, Grundrisse, cit, p. 97 e 179.
3 Ibidem, p. 651.
4 Idem.

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