A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1

64 / A loucura da razão econômica


O universo manufatureiro do qual Proudhon extraiu suas categorias era o das
oficinas parisienses dos anos 184011. Estas consistiam tipicamente em empresas de
pequena escala geridas por artesãos que controlavam o próprio processo de traba­
lho em locais onde havia uma oficina nos fundos e uma loja na frente. A principal
forma de capital era a dos comerciantes que compravam das oficinas e depois con­
solidavam a venda em seus armazéns de secos e molhados (precursores das lojas de
departamento que surgiram na década de 1850). Os artesãos não reclamavam dos
processos de trabalho porque tinham controle sobre eles. De seu ponto de vista, o
trabalho não era alienado na etapa da produção. As principais reclamações eram os
baixos preços oferecidos pelos comerciantes e a crescente dominação exercida por
parte destes últimos através de um sistema de subcontratação, também denomina­
do sistema putting-out, em que os comerciantes faziam o pedido e especificavam a
natureza do produto final — e, em algumas instâncias, forneciam a matéria-prima e
adiantavam crédito (com frequência a taxas usurárias). Numa situação como essa,
é compreensível a demanda de pleno reconhecimento das horas de trabalho realiza­
das, diante da recompensa monetária insignificante oferecida pelos comerciantes.
O valor do trabalho dos artesãos era expropriado (alienado) no mercado. Os argu­
mentos de Proudhon sobre dinheiro e mercado faziam certo sentido intuitivo para
esse público. Não era à toa que era visto como um herói dos direitos trabalhistas.
Marx escrevia no contexto de um sistema fabril, em que os capitalistas contro­
lavam o processo de trabalho e o trabalho alienado imperava na etapa da produção.
Para nós, é difícil imaginar quão grande essa diferença parecia naquele momento
histórico. Engels, que tinha familiaridade com sistemas de trabalho artesanal na
Alemanha, registrou o assombro e o horror que sentiu ao conhecer o sistema fabril
e o industrialismo capitalista na Inglaterra. Ele foi um dos primeiros comentadores
a descrever esse processo em A situação da classe trabalhadora na Inglaterra*, de


  1. Havia um mundo de diferenças entre esses dois sistemas industriais no que
    dizia respeito aos processos de trabalho. Marx ficou impressionado com o relato
    de Engels sobre o trabalho fabril. Ele tendia a ver o sistema fabril teleologicamente
    como o futuro do capital. E a esse futuro que o Livro I d’O capital é dedicado, e foi
    desse mundo que Marx derivou suas categorias11 12.
    As características que distinguem Proudhon de Marx refletem os sistemas de
    trabalho que cada um abordou. Segue-se disso que talvez tenhamos de reavaliar
    nossas próprias categorias para que elas também reflitam as práticas atuais de traba-


11 David Harvey, Paris, capital da modernidade (trad. Magda Lopes, São Paulo, Boitempo, 2015),
cap. 8.
* Trad. B. A. Schumann, São Paulo, Boitempo, 2008. (N. E.)

(^12) Kari Marx, O capital, Livro I, cit.

Free download pdf