68 / A loucura da razão econômica
Quando a troca de mercadorias se torna um ato social normal, uma ou duas
mercadorias se cristalizam para desempenhar o papel de equivalente geral. Na era
capitalista, o ouro e a prata se tornaram a forma preferida de expressão do va
lor. Mas isso leva imediatamente a certas contradições. O valor de uso do ouro
(uma mercadoria sensível) “se torna a forma de manifestação de seu contrário,
do valor”23. O trabalho físico concreto embutido na produção do ouro se torna o
modo de expressão “de seu contrário, trabalho humano abstrato”24. O “trabalho
privado” envolvido na produção do ouro converte-se “na forma de seu contrário,
trabalho em forma imediatamente social”25. Por fim, e talvez o mais importante
de tudo, “o dinheiro é, ele próprio, uma mercadoria, uma coisa externa, que pode
se tornar a propriedade privada de qualquer um. Assim, a potência social torna-se
potência privada da pessoa privada”26.
As distorções estabelecidas aqui são sistêmicas e maiores, e não contingentes
e menores. O dinheiro se torna uma medida de riqueza e poder individuais, um
objeto supremo de desejo. Forma uma base singular para o poder e o domínio de
classe. Mais importante ainda, torna-se um meio de produção vital para que a va
lorização prossiga. Esse poder social, no entanto, é sistemicamente limitado sempre
que os metais preciosos estão na base do sistema monetário. Com a proliferação e
complexidade crescente da divisão social do trabalho e das relações de troca, “cresce
o poder do dinheiro”, de forma que:
a relação de troca se fixa como um poder externo frente aos produtores e deles indepen
dente. O que aparecia originariamente como meio para o fomento da produção converte-
-se em uma relação estranha aos produtores. Na mesma proporção com que os produtores
se tornam dependentes da troca, a troca parece tornar-se independente deles.27
O dinheiro é introduzido como um servo da circulação, mas logo se torna um
mestre despótico. A “mão invisível” de Adam Smith começa a assumir o controle.
Os produtores se tornam receptores de preços, em vez de fazedores de preços: “pa
rece crescer o abismo entre o produto como produto e o produto como valor de
troca. O dinheiro não gera essas contradições e antíteses; ao contrário, o desenvol
vimento dessas contradições e antíteses gera o poder aparentemente transcendental
do dinheiro”28. É esse poder transcendental que agora nos cerca de todos os lados.
23 Karl Marx, O capital, Livro I, cit., p. 133.
24 Ibidem, p. 135.
25 Idem.
26 Ibidem, p. 205-6.
27 Idem, Grundrisse, cit., p. 95.
28 Ibidem, p. 96.