A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1
O dinheiro como representação do valor / 73

inevitável que “a produção capitalista se esfor[ce] por suprassumir continuamente
essa barreira metálica [...], mas acab[e] sempre quebrando a cabeça contra el [a]”41.
Marx era da opinião de que essa barreira nunca poderia ser superada. Mas ele
estava errado. Agora que a base metálica foi abandonada e o capital não precisa
mais quebrar a cabeça contra ela, a única barreira que resta são as políticas e os
regulamentos dos bancos centrais e dos Estados. Isso coloca a questão da qualidade
e da quantidade (bem como da forma) do dinheiro em mãos sociais, em oposição
à dependência em relação às qualidades físicas imutáveis e fixas da reserva de ouro
como uma limitação externa.
O abandono da base metálica pelo sistema monetário no início dos anos 1970
permitiu que a circulação de capital portador de juros assumisse o controle como
principal condutor, sem as restrições da acumulação infindável de capital. A análise
desse fenômeno exige um olhar mais atento à posição do sistema bancário e finan­
ceiro no campo da distribuição de modo geral.
Antes de mais nada, é preciso dizer que há interações imensamente complicadas
no campo da distribuição como um todo. Financistas podem canalizar dinheiro e
investimentos para a especulação fundiária e imobiliária, dando suporte às atividades
das classes proprietárias à custa de todo o resto. Proprietários fundiários usam suas
terras como garantia para tomar empréstimos. Na Grã-Bretanha, muitos aristocratas
se tornaram banqueiros dessa forma. Com frequência, capitalistas comerciais cres­
cem e dependem de crédito. Em diversas partes do mundo, os salários dos trabalha­
dores são inflados pelo uso de cartões de crédito. Trabalhadores podem se integrar à
circulação de capital portador de juros iniciando um financiamento com a esperan­
ça de adquirir sua casa própria. Isso é algo que, conforme assegura o Banco Mun­
dial, confere estabilidade social ou, segundo o velho ditado: “Enquanto não quitar
o financiamento, dono de casa própria não faz greve”. Às vezes os trabalhadores são
obrigados a depositar suas economias em fundos de pensão, que têm de investir em
algum lugar para explorar outros trabalhadores em troca de lucro. Financistas em­
prestam a governos, enquanto os governos usam os tributos para garantir e afiançar
as atividades de instituições de crédito. Enquanto isso, bancos superavitários em­
prestam a bancos deficitários e, quando preciso, ambos recorrem a bancos centrais.
Os papéis se embaralham e muitas vezes são internamente contraditórios. Empresas
automobilísticas mantêm mecanismos de venda que concedem crédito aos consu­
midores para que adquiram seus carros, e muitas vezes é difícil saber se os lucros da
empresa vêm da atividade de valorização, de realização ou de distribuição. Financistas
emprestam aos incorporadores para que construam casas e aos trabalhadores para que
comprem essas casas, internalizando oferta e demanda numa única operação sob o


41 Ibidem, p. 634.
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