A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1
74 / A loucura da razão econômica

seu comando. Trabalhadores exigem aumentos salariais que podem fazer despencar
as ações de companhias em que seus fundos de pensão estão investidos. Sindicatos
podem ser compelidos a investir na dívida das empresas que os empregam. Quando
a Enron quebrou, a pensão de sua força de trabalho escorreu pelo ralo. Na crise fiscal
de 1970, em Nova York, os sindicatos municipais foram forçados a investir seus fun­
dos de pensão na dívida pública municipal, com consequências previsíveis. Governos
armam sistemas de participação nos lucros para que depois os empregados tenham
interesse em reprimir suas próprias demandas salariais.
Os fluxos e contrafluxos que ocorrem no interior daquilo que pode ser denomi­
nado o “campo distributivo” (terreno do Livro III d’O capital) têm se tornado, como
ilustram os exemplos acima, cada vez mais complexos e volumosos, ao mesmo tempo
que as categorias e os papéis se embaralham e se sobrepõem uns aos outros. Em algu­
mas partes do mundo, o volume de transações e a rotação do capital que atravessa e
permeia o campo distribucional ultrapassam consideravelmente as atividades de va­
lorização. O mercado de câmbio é enorme, se comparado com o reinvestimento em
manufatura. O mais difícil de discernir é quanto dessa atividade é apenas movimenta­
ção especulativa ou ruído transacional, que não tem nada a ver com a criação de valor.
Marx percebe claramente que a centralização no sistema financeiro de fundos ex­
cedentes na forma-dinheiro implica que o desembolso desses fundos desempenhará
necessariamente um papel-chave na condução das dinâmicas de reinvestimento do
dinheiro como capital. Essa é uma questão à qual retornaremos à guisa de conclu­
são. O sistema financeiro forma de fato um bolsão de ativos líquidos, de modo que
bancos e finanças contêm e representam o capital comum da classe capitalista. Esse
capital comum é inflado algumas vezes por alavancagem — empréstimo de capital
fictício. Isso equivale a criar dinheiro dentro do sistema bancário. Por vezes, essa
criação de dinheiro pode se tornar excessiva (quando os bancos emprestam, diga­
mos, trinta vezes a quantidade de dinheiro efetivamente depositado que possuem).
O sistema financeiro também funciona como câmara de compensação para toda
sorte de transações. E, de fato, o sistema nervoso central do capital em geral, or­
questrando os fluxos de capital-dinheiro para e por uma vasta gama de atividades,
onde quer que a taxa de rentabilidade seja potencialmente ou realmente mais alta.
Por trás disso, surge uma classe de investidores — indivíduos, instituições, or­
ganizações e corporações — que buscam desesperadamente taxas de retorno sobre
seu capital-dinheiro42. Trata-se de uma classe particular de proprietários — uma
“aristocracia financeira” — que impulsiona a circulação de capital portador de juros
para receber uma taxa de retorno sem mover um dedo sequer43. Fundos de pensão

42 Idem, O capital, Livro III, cit.
43 Idem.

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