A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1

4 AnTIVALOR: A TEORIA DA DESVALORIZAÇÃO....................................................................


As linhas finais do primeiro item do primeiro capítulo do Livro I d’ O capital enun­
ciam: “nenhuma coisa pode ser valor sem ser objeto de uso. Se ela é inútil, também
o é o trabalho nela contido, não conta como trabalho e não cria, por isso, nenhum
valor”1. Com essa afirmação incisiva, Marx introduz a ideia de que a circulação de
capital é vulnerável, pode sofrer uma interrupção abrupta; e de que, nessa circula­
ção, há sempre a ameaça da desvalorização, de perda de valor. Ademais, o valor dos
meios de produção incorporado na mercadoria também se perde com a parte do
valor acrescida pelo trabalho. A transição da forma-mercadoria para a representa­
ção monetária do valor é uma passagem cheia de perigos.
Ao longo do Livro I, como vimos, Marx deixa de lado questões de realização para
se concentrar no processo de produção de mercadorias materiais e mais-valor. Ele sabe
muito bem, é claro, que a “circulação de capital é realizadora de valor, assim como o
trabalho vivo é criador de valor'2. A unidade que necessariamente prevalece entre a
produção e a realização é, entretanto, uma “unidade contraditória”. Daí a advertência
logo no início do Livro I: “a mercadoria ama o dinheiro, mas ‘the course oftrue love ne-
ver does run smootti [em tempo algum teve um tranquilo curso o verdadeiro amor]*”3.
Seria de fato estranho que alguém como Marx formulasse um conceito-chave
como o valor sem incorporar em seu interior a possibilidade de sua negação. Certas
leituras de Marx dão muito peso à influência da “negação da negação” hegeliana em
seu pensamento. Ele certamente não era contra “flertar” (como ele mesmo disse)


' Karl Marx, O capital, Livro I, cit., p. 119.
2 Idem, Grundrisse, cit., p. 448.
* Referência à fala de Lisandro em William Shakespeare, “Sonho de uma noite de verão”, em Co­
médias (tra. Carlos Alberto Nunes, Rio de Janeiro, Agir, 2008), ato I, cena 1. (N. E.)
3 Idem, O capital, Livro I, cit., p. 181.
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