A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1
Antivalor: a teoria da desvalorização / 81

ser ressuscitada em parte ou in toto somente quando o movimento do capital é
retomado. Quando o capital assume uma “figura particular” - como um processo
de produção, um produto à espera de ser vendido, uma mercadoria circulando
ñas máos de capitalistas comerciais ou dinheiro à espera de ser transferido ou
reinvestido —, o capital é “potencialmente desvalorizado”. Capital “em repouso”
em qualquer um desses estados é denominado de várias maneiras: “negado”, “em
pousio”, “dormente” ou “fixado”. Ou: “Enquanto permanece fixado em sua figura
de produto acabado, o capital nao pode amar como capital, é capital negado”.
Essa “desvalorização potencial” é superada ou “suspensa” tão logo o capital retoma
seu movimento. Fica claro a partir dessa colagem de afirmações de Marx que ele
não considerava o antivalor uma ameaça externa “pairando” sobre o valor em mo­
vimento, mas sim uma força permanentemente disruptiva nas próprias entranhas
da circulação do capital7.
A vantagem de conceber a desvalorização como um momento necessário do
processo de valorização é nos permitir enxergar imediatamente a possibilidade de
uma desvalorização geral do capital — uma crise. Qualquer falha na manutenção
da velocidade de circulação do capital nas diversas fases de produção, realização e
distribuição produzirá dificuldades e transtornos. Somos obrigados a reconhecer a
importância da continuidade e da velocidade constante. Qualquer desaceleração
do valor em movimento acarreta uma perda de valor. Inversamente, acelerar o tem­
po de rotação do capital é um elemento fundamental para alavancar a produção de
valor. Essa é uma das principais conclusões implícitas no Livro II d’O capital. São
esses elementos, no entanto, que o pressuposto do Livro I, de que tudo é trocado
por seu valor, evita. Há crise se os estoques se amontoam, se o dinheiro permanece
ocioso por mais tempo do que o estritamente necessário, se mais estoques ficarem
muito tempo parados durante a produção, e assim por diante. A “crise ocorre não
apenas porque uma mercadoria é invendável, mas porque ela não é vendável em
determinado intervalo de tempo”8. Esse mesmo princípio se aplica com igual força
ao tempo de trabalho despendido na produção: se as fábricas coreanas conseguem
produzir um carro na metade do tempo das fábricas de Detroit, então o tempo a
mais despendido nestas últimas não conta para nada.


Enquanto persiste no processo de produção, [o capital] não é capaz de circular; e [é]
potencialm ente desvalorizado. Enquanto persiste na circulação, não é capaz de produzir
[...]. Enquanto não pode ser lançado no m ercado, é fixado como produto; enquanto

7 Karl Marx, Grundrisse, cit., p. 518-9, 451, 628, 699. Ver também David Harvey, Os limites do
capital (trad. Magda Lopes, São Paulo, Boitempo, 2014).
8 Karl Marx, Theories ofSurplus Valué, Part 2 (Londres, Lawrence and Wishart, 1969), p. 514.
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