A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1
82 / A loucura da razão econômica

tem de permanecer no mercado, é fixado como mercadoria. Enquanto não pode ser
trocado pelas condições de produção, é fixado como dinheiro.9

Os capitalistas estão presos, portanto, em uma perpétua batalha não apenas
para produzir valores mas para combater sua potencial negação. A passagem da
produção à realização é um ponto-chave na circulação do capital em geral, onde a
batalha é magníficamente travada.
Que circunstâncias poderíam impossibilitar a realização do valor no mercado?
Para começar, se ninguém quiser, precisar ou desejar um valor de uso em particular,
oferecido em determinado lugar e momento, isso significa que o produto não pos­
sui valor10 11. Não é nem sequer digno de ser chamado de mercadoria. Compradores
em potencial também precisam ter uma quantidade suficiente de dinheiro para
pagar pelo valor de uso em questão. Se uma dessas duas condições não se cumprir,
o resultado é valor nulo. Adiante examinaremos de maneira mais detalhada por que
essas duas condições podem não se cumprir. Mas, de modo geral, a produção e a
gestão de novas vontades, necessidades e desejos é algo que tem um enorme impac­
to na história do capitalism d, transformando aquilo que se costuma chamar de na­
tureza humana em algo necessariamente mutável e maleável, ao invés de constante
e dado. O capital mexe com nossa cabeça e nossos desejos.
Mas há um elemento de grande interesse no momento da realização. A relação
social fundamental envolvida na realização se dá entre compradores e vendedores.
Até mesmo o trabalhador mais humilde entra no mercado com o sagrado direito de
escolha do consumidor11. Isso é muito diferente da relação capital-trabalho que im­
pera no processo de valorização. É certo que o encontro entre capital e trabalho no
mercado é um encontro em que as leis da troca mercantil se aplicam formalmente
(embora o capital tenha poder sobre as condições tanto de oferta quanto de demanda
da força de trabalho por meio das transformações tecnológicas e da produção de
um exército industrial de reserva). Mas, no caso da valorização, o que importa é o
que ocorre na esfera oculta da produção — a relação de classe entre capital e trabalho
conforme experimentada no processo de trabalho. Não há nada equivalente no pro­
cesso de realização. Neste último, os compradores de mercadorias (não importa de
qual classe) exercem determinado grau de escolha de consumidor (seja individual,
seja coletiva). Embora seja verdade que as vontades, as necessidades e os desejos dos


9 Idem, Grundrisse, cit., p. 519.
10 Idem, O capital, Livro I, cit.; Grundrisse, cit.
11 Idem, O capital, Livro II, cit.; “The Results of the Immediate Process of Production”, em Capital:
A Critique ofPolitical Economy, Volume 1 (Londres, New Left Review, 1976), p. 1.033 [ed. bras.:
O capital, Livro I, capítulo VI(inédito), São Paulo, Livraria Editora Ciências Humanas, 1978],
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