A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1
Antivalor: a teoria da desvalorização / 89

valor. Leia sobre a situação dos fundos de pensão no mundo atual e verá uma crise
iminente de passivos a descoberto prolongando-se interminavelmente no futuro.
As dívidas nacionais se mostram ainda mais intimidantes. Da mesma maneira que
indivíduos são controlados por suas dívidas, também os Estados são sujeitados pelo
antivalor empunhado pelos seus credores. Há o perigo de que o sistema econômico
entre em colapso sob o peso morto do antivalor. O que aconteceu com a Grécia
após 2011 é um exemplo em pequena escala disso. Quando a dívida se torna tão
grande que não há perspectiva de que a produção futura de valor a resgate, impera
a servidão por dívida. Celebramos a Atenas do passado como o berço da democra­
cia. A Atenas de hoje é a epítome da antidemocrática servidão por dívida.
A formação e circulação de capital portador de juros é um efeito da circula­
ção do antivalor. Pode ser estranho pensar nos principais centros financeiros do
capitalismo global de hoje, como a City, Wall Street, Frankfurt, Xangai e afins,
como centros de criação de antivalor, mas é isso o que de fato representam todas
essas usinas de engarrafamento de dívidas que dominam o horizonte dessas cidades
globais. O perigo, que Marx aponta em seus escritos sobre a formação dos bancos,
das finanças e do capital fictício, é que o capital se degenere a ponto de se tornar
um enorme esquema Ponzi, em que dívidas do ano anterior são quitadas com
empréstimos ainda maiores contraídos no ano presente. Os bancos centrais estão
criando quantidades de dinheiro novo suficientes para sustentar valores de ativos e
ações na bolsa em benefício de uma oligarquia no aqui e no agora. E isso, por sua
vez, cria um problema para o banco central: como liquidar as dívidas acumuladas
em seu balanço? O cenário de crescente desigualdade social que Marx descreveu
na conclusão do Livro I d’O capital se agravará ainda mais, embora provocado por
outros mecanismos de exclusão e manipulação financeira. Os ricos enriquecem
cada vez mais com manipulações financeiras, enquanto os pobres empobrecem
cada vez mais pela necessidade de pagar suas dívidas (e isso vale para empréstimos
tanto individuais quanto coletivos e estatais). Enquanto isso, a valorização parece
estar completamente em segundo plano, relegada a ser enfrentada pelos países mais
pobres do planeta.
O conceito de antivalor encontra seu apogeu nas desvalorizações maciças que
ocorrem no momento das grandes crises. No Livro I d’O capital, Marx fornece
um exemplo concreto de como isso funciona. Ele contesta a Lei de Say (aceita por
Ricardo), que afirma que, na medida em que cada venda implica uma compra,
segue-se que vendas e compras devem estar sempre em equilíbrio. Aceitar essa “lei”
implica afirmar a impossibilidade da ocorrência de crises gerais23. Isso valeria em
uma economia de escambo pura. Já em uma economia monetizada, a circulação


23 Karl Marx, O capital, Livro I, cit.
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