A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1
Antivalor: a teoria da desvalorização / 91

um entrave e um lim ite im anentes à produção, que são constantem ente rompidos pelo
sistem a de crédito. Por conseguinte, o crédito acelera o desenvolvimento m aterial das
forças produtivas e a instauração do mercado m undial [...]. O crédito acelera ao mesmo
tempo as erupções violentas dessa contradição, as crises e, com elas, os elementos da
dissolução do antigo modo de produção.
Tais são as duas características intrínsecas ao sistema de crédito: por um lado, ele desen­
volve a m ola propulsora da produção capitalista, o enriquecim ento m ediante a explora­
ção do trabalho alheio, até convertê-la no m ais puro e colossal sistema de jogo e fraude
e lim itar cada vez m ais o número dos poucos indivíduos que exploram a riqueza social;
por outro lado, estabelece a form a de transição para um novo modo de produção. E essa
duplicidade que confere aos principais porta-vozes do crédito [...] o agradável caráter
híbrido de vigaristas e profetas.27

Infelizmente, os “mestres do universo” da atualidade, como frequentemente
são denominados os operadores de Wall Street, têm se saído muito melhor como
vigaristas, ainda que cultivem a arte da falsa profecia para justificar suas vigarices.
E, lamentavelmente, há poucos sinais de que a evolução do sistema de crédito e
o poder nitidamente crescente da circulação do capital portador de juros de ditar
futuros constituam um trampolim para o aparecimento de um novo modo de
produção. De fato, o imaginário que nos resta é o de uma manada de investidores
instávelmente gananciosos, com bolsos suficientemente fundos para subornar qua­
se qualquer oposição séria, empurrando goela abaixo do resto do mundo uma dieta
indigesta de dinheiro de crédito.
Por que os financistas deveríam celebrar as irrupções violentas de crises? A pri­
meira vista, isso parece um contrassenso. Mas, quando se trata da circulação de
antivalor, a crise é um momento de triunfo para as forças do antivalor, ainda que
cause desespero em todos os envolvidos na produção e realização do valor. “Em
uma crise”, disse o banqueiro Andrew Mellon na década de 1920, “os ativos re­
tornam a seus devidos proprietários”, isto é, a ele28. Normalmente as crises deixam
em seu alvorecer uma massa de ativos desvalorizados que podem ser comprados a
preço de banana por quem tem dinheiro (ou contatos privilegiados) para pagar por
eles. Foi o que aconteceu em 1997-1998 na Ásia oriental e no Sudeste Asiático.
Empresas perfeitamente viáveis foram obrigadas a declarar falência por falta de
liquidez, foram compradas por bancos estrangeiros e vendidas de volta alguns anos
depois com um enorme lucro.


27 Ibidem, p. 666 , p. 499-50.
28 Robert Wade e Frank Veneroso, “The Asian Crisis: The High Debt Model versus the Wall Street-
-Treasury-IMF Complex”, New Left Review, v. 228, 1998, p. 3-232.
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