A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1

92 / A loucura da razão econômica


Nas crises, Marx evoca a possibilidade de: (1) destruição física e degradação dos
valores de uso; (2) depreciação monetária forçada dos valores de troca; e (3) uma
desvalorização concomitante dos valores como única maneira “racional” de superar a
irracionalidade da superacumulação29 30. Repare na linguagem. Cada uma das formas
envolvidas — valor de uso, valor de troca e valor — é sujeita a uma forma específica
de negação, e uma forma não implica automaticamente a outra. A desvalorização e
a depreciação dos valores de troca não significam necessariamente a destruição física
dos valores de uso. Estes últimos podem se tornar recursos gratuitos para se reavivar
a acumulação capitalista. Essa é uma das maneiras pelas quais o antivalor funciona
para restaurar as condições da produção de valor. Um sistema metroviário foi à
falência (desvalorizando o metrô e depreciando o capital dos investidores) e deixou
para trás o valor de uso dos túneis — que ainda usamos quando nos deslocamos pelo
metrô de Londres. A depreciação dos valores da moradia na crise de 2007-2008 nos
Estados Unidos deixou um imenso estoque de valores de uso imobiliários que fun­
dos de participações e fundos hedge puderam adquirir em massa por uma mixaria e
aproveitar de maneira rentável. Marx tinha plena consciência de tais possibilidades.
Ele comenta como o capital “faz investimentos que não são rentáveis e que só dão lu­
cro quando são desvalorizados em um certo grau”, daí “os inúmeros empreendimen­
tos em que a primeira aplicação de capital é a fundo perdido, em que os primeiros
empresários vão à falência - e somente se valorizam em segunda ou terceira mão,
em que o capital investido foi reduzido pela desvalorização"™. Da mesma maneira,
uma rápida apreciação de valores de troca (por exemplo, nos mercados fundiário e
imobiliário) não implica necessariamente uma elevação de valor e pode não signifi­
car uma melhoria substancial dos valores de uso.


O PESO MORTO DO TRABALHO IMPRODUTIVO

A teoria do antivalor precisa abarcar uma gama de atividades que não produzem
valor, embora sejam essenciais e necessárias para o funcionamento do capital. Isso
nos traz à densa questão do trabalho improdutivo, que foi discutida extensivamen­
te por Adam Smith.
Marx concordava que os trabalhadores empregados na circulação (por exemplo,
em marketing) não produzem valor (caso contrário, teria de admitir que o valor
poderia ser produzido na esfera da troca). No entanto, eles não deixam de ser
uma fonte de mais-valor. São como máquinas que não podem produzir valor, mas


29 Karl Marx, Theories ofSurplus Valué, Part 2, cit., p. 495-6.
30 Idem, Grundrisse, cit., p. 438-9. Ver também O capital, Livro III, cit., p. 144.
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