A Bola - 20200806

(PepeLegal) #1

A BOLA


Quinta-feira
6 de agosto de 2020


BENFICA 07


Futebol


Além disso, não estou no setor dos
aviões ou dos hotéis. Estou no se-
tor da comida e as pessoas precisam
de continuar a comer. Temos mui-
to menos risco do que outros seto-
res muito afetados. Para mim, é um
momento interessantíssimo. Estou
a trabalhar em casa há quatro me-
ses, recorrendo a videoconferên-
cias. Havia um preconceito muito
grande com as pessoas trabalha-
rem em casa e, para meu espanto,
concluí que podemos ser muito mais
efetivos a trabalhar em casa, por-
que estamos mais concentrados.
Podemos trabalhar muito bem em
casa. Tenho trabalhado normal-
mente, tenho saudade da minha
equipa, dos meus funcionários, mas
vou matando essas saudades pelas
videochamadas. Tem sido muito
proveitoso, ágil, muito rápido. As
coisas continuam em ritmo acele-
rado.


— Quantas horas trabalha por
dia?
— Normalmente, começo às oito
e termino às 19 ou 20 horas. Das 8
às sete da tarde.


— E tem tempo para a família e
para hobbies?
— Tenho tempo para a família,
sim. A minha vida é trabalho e fa-
mília. Os meus hobbies são ler, co-
zinhar, adoro cozinhar, amo a co-
zinha portuguesa, não há nada
melhor do que Percebes. Aqui não
se encontra. Quando estou em Por-
tugal, como Percebes. E não há nada
melhor do que um bom bacalhau.


— Quantas receitas de bacalhau
faz?
— Muitas [risos].


— Voltando à sua infância e aos

tempos em que ia ao futebol com o
seu tio, sonhava ser jogador de fu-
tebol?
— Não.

— Não jogava bem?
— Jogava mas nunca tive esse
sonho. Jogava mesmo bem era hó-
quei em patins. Vi Eusébio jogar.
Ainda me lembro de ver Eusébio
jogar. Tenho um monte de jogado-
res na minha cabeça: Nené, Eusé-
bio, Toni, Chalana. Como se chama-
va o guarda-redes?

— Bento?
— Sim, Bento. Os domingos, com
o meu tio Abílio no futebol, eram
dias de alegria.

— Como alimentou longe o amor
pelo Benfica?
— O que nunca trocamos na vida
é o clube. Ninguém começa a ser do
Benfica e se torna sportinguista.
Pode trocar-se de mulher, trabalho
e até de partido político, mas não se
troca de clube. Benfica sempre foi
uma forma de manter a ligação a
Portugal. Lembro-me de ouvir os
relatos dos jogos do Benfica no Bra-
sil, numa rádio da comunidade por-
tuguesa. Ouvia os relatos, compra-
va jornais portugueses e brasileiros.
Não havia internet. E também lia e
via quando voltava todos os anos
de férias para Mação.

— Qual foi a melhor alegria que
o Benfica lhe proporcionou?
— [risos] Benfica proporciona-
-me sempre alegrias. É muitas ve-
zes campeão. Nos últimos anos tem
sido incrível. Ganhou quatro vezes
seguidas o campeonato. Sofri um
bocado antes com o FC Porto tan-
tas vezes campeão, mas os últimos
anos tem sido muito bom. E tem

produzido jogadores incríveis. Com
uma gestão muito boa tem conse-
guido jogadores muito bons que de-
pois vende, conseguindo manter
essa hegemonia. A gestão do Ben-
fica tem sido muito boa.

— Tem camisolas em casa? Cos-
tuma vesti-las?
— Tenho camisolas. A minha fi-
lha do meio joga futebol. Não sou só
eu que tenho. Ela também tem.
Cada vez que vou a Portugal trago-
-lhe uma camisola nova do Benfi-
ca. Ela já tem cinco [risos]. Trouxe-
-lhe uma cor de rosa há alguns anos.
É a favorita dela.

— Penso que disse que o João
Félix será o melhor do mundo. Con-
tinua a pensar isso?
— Acho que vai ser. Voltou ago-
ra superbem, marcou agora dois
golos [na vitória do Atlético Madrid
sobre o Osasuna, por 5-0, a 17 de ju-
nho]. Jogou muito bem. Tem o po-
tencial de ser um grande jogador.
Portugal nunca teve uma seleção
tão boa, muito, muito melhor do
que a seleção que ganhou o cam-
peonato da Europa. É incrível: Cris-
tiano Ronaldo, João Félix, Bernar-
do Silva, Nélson Semedo, Bruno
Fernandes, Rui Patrício, que não é
meu primo [risos]. É um equipaço.
É incrível como Portugal, um País
pequeno, consegue ter uma equi-
pa de ponta tão incrível.

— Viu o jogo com o Santa Clara
[entrevista feita em junho]?
— Não, não vi. Mas li. Levaram
quatro. Incrível perder com o San-
ta Clara. Mas isso é outra história.

— Gostava do Bruno Lage ou
prefere Jorge Jesus?
— Jesus tem sido mais efetivo. No

Brasil virou, literalmente, Jesus. É
o Messias. É amado, idolatrado, fez
um trabalho incrível. É muito ad-
mirado. É mais fácil falar dessas
coisas quando o treinador está num
momento bom. Ninguém falava al-
guma coisa [mal] do Bruno Lage há
um ano. Não é justo. E há dois anos
poucos davam alguma coisa por
Jesus. É preciso ter calma e respei-
to pelos treinadores. Benfica, ago-
ra, precisa de calma, porque ner-
vosismo torna as coisas piores. Mas
não está bem. Depois da paragem
devido ao Covid-19 tem dois em-
pates, uma vitória e agora levou
quatro do Santa Clara. É terrível.
Não é fácil. É preciso calma, pôr a
cabeça no lugar. Há uns meses dá-
vamos esta equipa como campeã,
tinha sete pontos de vantagem so-
bre o FC Porto. E se tivesse ganha-
do ao FC Porto o campeonato es-
tava conquistado. Perdeu e a partir
daí começou a andar tudo para trás.
É a mesma equipa, o mesmo trei-
nador, precisam todos de se acal-
mar.

— No seu percurso os contactos
com o Benfica foram só emocio-
nais ou teve alguns profissionais?
— Só emocionais. Temos de se-
parar a emoção do negócio.

— E, falando de negócio, a Kraft
Heinz está muito ligada ao Despor-
to norte-americano, tem, até, os
direitos de naming do estádio dos
Pittsburgh Steelers. Benfica ou o
futebol português são atrativos para
a Kraft Heinz, seria atrativo nego-
ciar os direitos de naming do Está-
dio da Luz?
— Quem sabe um dia. Mas, hoje,
somos pequenos em Portugal. Hoje
não faria o mínimo sentido, seria
pura emoção. E temos de separar a

emoção dos negócios. A Heinz é
muito pequena em Portugal. Mas
as ambições são grandes, quem sabe
um dia nós crescemos em Portugal
e Espanha. Vendemos os nossos
produtos em Portugal, mas não te-
mos aí qualquer operação grande
ou fábrica.

— Mercado português é uma gota
no oceano?
— É, mas com muitas gotas se faz
o oceano. É um mercado bom, que
cresceu muito nos últimos anos,
mas não temos hoje nada importan-
te em Portugal.

— Benfica é uma sociedade anó-
nima, com acionistas, dominada
pelo clube, com passivo considerá-
vel, embora com ativo superior,
mas muito dependente da venda
de jogadores. Como avalia este mo-
delo empresarial?
— Em primeiro lugar, é uma es-
tratégia. É o modelo de negócio do
Benfica, do FC Porto, do Sporting.
E é uma estratégia correta. Os três
grandes têm feito um trabalho in-
crível de scouting, de encontrar ta-
lentos pelo mundo, levá-los para
Portugal, dar-lhes visibilidade e
depois vendê-los. Ou desenvolver
os próprios jogadores na formação.
Esse tem de ser o modelo. Para os
jogadores também é ótimo. Têm
visibilidade saindo de outros paí-
ses. Está corretíssimo. É difícil por-
que não depende só do clube, há
muita incerteza, mas o Benfica tem
feito um trabalho muito bom nes-
se sentido. Se formos ver os joga-
dores que o Benfica formou e que
expôs ao mundo... Quantos jogado-
res foram para Espanha ou Ingla-
terra porque o Benfica os desen-
volveu? São muitos. Não só criados,
mas definitivamente desenvolvi-
dos no Benfica.

— É sócio?
— Não. Não sou mas vou ser. Não
faz sentido ser sócio agora quando
vou a Portugal só uma vez no ano.
No dia em que me aposentar, vou
morar em Portugal, serei sócio e
estarei sempre no Estádio da Luz.

— Como alimenta a sua portu-
galidade?
— Desporto, leitura, música, co-
zinha, família, vinhos. Vou alimen-
tando a minha alma lusitana com
um pouco de tudo. Quanto mais
velhos, mais voltamos às nossas
raízes.

— Qual foi a última garrafa de vi-
nho português que abriu?
— Adoro o vinho Quinta do Vale
Meão.

— É muito bom.
— Maravilhoso. Gosto muito de
vinho português. Quinta do Vale
Meão, Chryseia, Pintas, Pêra Man-
ca. Todos vinhos maravilhosos.

— Gostava de falar consigo so-
bre um assunto mais sério domi-
na não só os Estados Unidos. Como
se posiciona, e também a sua em-
presa, em relação a este movimen-
to do Black Lives Matter?


— Estamos na parte da frente
do carro, frontalmente. Enviei uma
carta aos meus funcionários, di-
zendo que repudiamos racismo e
que, para nós, a diversidade é mui-
to importante. E expliquei porque
a diversidade é muito importante.
Implementámos dez medidas re-
lacionadas com o movimento Black
Lives Matter, fizemos doações, mas
foi muito para lá disso. Propusemo-
-nos a melhorar a relação com fa-
culdades com população afro-


-americana. Até temos uma boa
percentagem de afro-americanos
na empresa, mas devemos ter mais.
Temos de fazer mais. Pessoas, em-
presas e país têm de fazer mais.
Não basta não ser racista. Nunca fui
racista, mas isso não é suficiente.
Todas as pessoas têm de lutar con-

«Não basta dizer que não somos racistas»


jPosicionamento pessoal e em-
presarial em relação ao movi-
mento ‘Black Lives Matter’


tra o racismo. Nessa carta que en-
viei para os meus funcionários,
utilizei esta citação de Martin
Luther King: «In the end, we’re
going to remember not the words
of our enemies, but the silence of
our friends [No final, vamos lem-
brar-nos não das palavras dos inimi-

gos, mas do silêncio dos amigos]».
Ninguém pode ficar calado. To-
mámos dez medidas para aumen-
tar o número de afro-americanos,
formação para poderem ascender
mais depressa dentro da empre-
sa, já tínhamos um grupo de afro-
-americanos, mas criámos um
conselho de minorias que está mais
próximo de mim para terem mais
acesso, para conversarmos mais
rápida e frequentemente para po-
dermos ter uma empresa com mais
diversidade. Fizemos muitas coi-
sas. Partilhei a minha posição no
Twitter e LinkedIn. Como socieda-
de, não basta dizer que não somos
racistas, temos de trabalhar para
reduzir as diferenças sociais. Por-
que isso pode ser uma forma de
racismo. Continuará a haver dife-
rença social entre brancos e ne-
gros pelo mundo se não trabalhar-
mos contra isso.

MIKE EHRMANN/AP

Manifestação de apoio dos Lakers e dos Clippers, da NBA, ao movimento anto-racista
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