A BOLA
Terça-feira
8 de setembro de 2020
29
Vamos conversar
OPINIÃO
Por
FERNANDO GUERRA
Vieira escolheu Jesus
e Jesus, que quer entrar
no clube exclusivo
da elite europeia,
sabe que esse passaporte
de excelência poderá
o Benfica emiti-lo
em seu nome
Unidos até ao fim
O
Benfica defrontou o Ren-
nes para encerrar os jogos
de preparação e, no final,
Jorge Jesus teve uma de-
claração curiosa: «Passa-
dos vários anos regressei e vi um
Benfica diferente. Um clube que me-
lhorou muito a nível de instalações
e estruturas de futebol, como o Es-
tádio da Luz ou o centro de treinos
no Seixal. Neste momento, tem ins-
talações de top mundial, só precisa
de jogadores de top mundial.»
Sem que alguém o questionasse
sobre o assunto, Jorge Jesus, por von-
tade própria, portanto, confessou a
sua admiração pelo empenho que
jamais o Benfica deixou de eviden-
ciar ao nível da qualidade das suas
instalações, entre o ano da sua saí-
da (2015) e o do seu regresso (2020),
o que traduz também uma mani-
festação de apreço e de reconheci-
mento pelo esforço de valorização
permanente que norteia o presi-
dente que nele voltou a apostar, de-
pois se ter mudado para Alvalade e
viajado pela Arábia e pelo Brasil.
Sem se dar conta, porém, até pelo
ar sereno e divertido, Jesus tocou
num ponto que fez títulos nos jornais
e teve um alcance mais amplo e im-
portante do que a simples reprodu-
ção de uma frase engraçada para
animar conversas de café.
Segundo Jesus, o Benfica «só pre-
cisa» de jogadores de top mundial o
que, anunciado a frio, pode fazer
emergir a ideia de se estar a lamen-
tar da tropa inútil que lhe deram para
comandar quando me parece que
apenas quis debitar uma piada inó-
cua imediatamente a seguir a um
teste positivo diante do Rennes, ter-
ceiro classificado da Liga francesa.
Piada inócua, por não ter qualquer
intenção menos clara a ela colada,
mas que acertou na questão central
em termos de política de robusteci-
mento do futebol profissional do
Benfica e de recuperação do bilhete
de passageiro frequente nos Cam-
peões Europeus que lhe foi retirado
na sequência de muitos anos de ges-
tões apáticas ou catastróficas.
Jesus não quis ser deselegante
para os jogadores com quem traba-
lha. Saiu-lhe, espontânea, a mensa-
gem, como definição de uma nova
rota, mais exigente e obrigatoria-
mente a reclamar artistas mais ca-
pazes: não sendo os melhores do
mundo, pede-se-lhes, no entanto,
que não se intimidem diante deles e
tenham a ambição de ser como eles.
O
Benfica, enquanto em-
blema de dimensão su-
pranacional, estará, final-
mente, em condições de
corrigir o seu trajeto, par-
tindo de uma base segura, que já
existe, de quase nível mundial. Cons-
truído o esqueleto da equipa, a área
de formação desempenhará um pa-
pel mais relevante e mais lucrativo,
faltando apenas, como escrevi há
duas semanas, que os miúdos sejam
olhados como fontes de riqueza, tan-
tos são os agradáveis exemplos, e
não como empecilhos. A Luís Filipe
Vieira falta encontrar quem o ajude
a articular o que o Seixal produz de
valioso com a estrutura profissio-
nal, fixando e publicitando os talen-
tos que há dentro de casa em vez de
comprar pior e caro.
Vieira chama-lhe novo ciclo e ele-
geu Jesus para seu treinador. Se é para
a águia voar mais alto e chegar mais
longe o caminho é por aqui. É mil
vezes preferível gastar numa base
de sustentação experiente e de clas-
se superior, com seis/sete jogadores,
espécie de rampa de lançamento
para o Benfica do futuro, que irá sen-
do enriquecida com gente nova e vir-
tuosa, porque uma coisa é em cada
época fortalecer uma, duas, ou três
posições, outra, na inexistência de
um ciclo programado, ao contrário
das grande equipas, é começar de
novo todos os anos. Dou um exem-
plo: entre as finais dos Campeões Eu-
ropeus de 60/61, que ganhou (3-2, ao
Barcelona), e a de 64/65, que perdeu
(0-1, frente ao Inter), apesar dos cin-
co anos de distância, da presença em
quatro finais de top mundial nesse pe-
ríodo e de três treinadores a orientá-
-lo, o Benfica repetiu nas duas forma-
ções titulares sete elementos, a tal
base a que me refiro: Costa Pereira,
Germano, Cruz, Neto, Cavém, Co-
luna e José Augusto. O que mudou em
cinco anos? A camisola 9 passou de
O poder da palavra
Por
DUARTE GOMES
Os tempos são de enorme
dificuldade para os
árbitros de topo. O
escrutínio é milimétrico
O saber não ocupa espaço
é normal, sobretudo num jogo em
que a letra da lei até é clara, mas
o seu espírito tem demasiada elas-
ticidade. A tal elasticidade pode
gerar dúvidas por depender de
intensidades, da conduta de al-
guns jogadores, da perspetiva ou
ângulo de visão, do critério apli-
cado até então, da comunicação
com colegas, da concentração,
enfim, de um sem fim de variá-
veis. Em campo, continuam a pai-
rar muitas dúvidas, o que só acon-
tece devido a uma de duas
situações: ou a mensagem para o
exterior não é bem passada ou um
lance de jogo só se torna interes-
sante quando atinge o clube de
cada um. Inclino-me mais para a
segunda possibilidade.
No início de cada época, as vá-
rias estruturas que gerem a arbi-
tragem (quer o CA da FPF a nível
nacional, quer os CA’s das Associa-
ções de Futebol, a nível distrital)
desdobram-se em ações de for-
mação a clubes e, nalguns casos, à
imprensa. Fazem-no porta a por-
ta ou dentro da sua própria casa,
perante convocatória atempada
para o efeito. Deixem-me que vos
diga uma coisa, com toda a since-
ridade: se a formação não for man-
datória (e raramente é), o interes-
se é quase nulo. Obviamente que
há sempre quem apareça e queira
aprender. Há quem faça pergun-
tas interessantes e levante dúvi-
das pertinentes. Mas a ausência
maciça é mais habitual.
Cá fora, acontece o mesmo.
Também eu, no conforto do meu
pequeno quintal, tento remar con-
tra a maré das várias formas que
posso e sei. O meu Kickoff (per-
doem-me a publicidade) está pre-
sente em quase todas as platafor-
mas digitais/redes sociais, mas só
gera entusiasmo a sério quando o
assunto é falar de lances dos jogos
do Benfica, FC Porto ou Sporting.
Aí a interação é inacreditável. Uma
verdadeira loucura. Já quando o
assunto é (tentar) fazer pedago-
gia, nada a fazer. As pessoas sim-
plesmente não querem saber. Os
likes e comentários (ou, no caso, a
falta deles) são disso prova cabal.
Situações técnicas per si, em abs-
trato, sem lance inflamado por bai-
xo, não despertam atenção. As coi-
sas são como são.
Não obstante, a verdade é que
não faltam no mundo virtual uma
data de PDF’s, comunicados e cla-
rificações sobre as leis de jogo. Há
até imagens claras, infografias in-
teressantes e vídeos explicativos
sobre cada uma delas. Estão todos
à distância de um clique. De um
clique que raramente é clicado.
Como a oferta formativa atual pa-
rece não ser cativante, seria inte-
ressante encontrar outras formas
de atrair a atenção de quem joga,
treina, comenta e vive o jogo. É
preciso criar novas maneiras de
ensinar, de apelar ao conhecimen-
E
M artigos anteriores falei-
-vos sobre algumas das
alterações às leis de jogo,
aprovadas para esta épo-
ca. Não são muitas nem
significativas, mas juntam-se a
um conjunto de regras já existen-
tes que continuam a levantar dú-
vidas junto do adepto e até dos
vários agentes desportivos. Isso
Águas para Torres e, no resto, de si-
gnificativo, entraram dois senhores
reforços: Eusébio e Simões. Por isso,
o Benfica dominou na Europa du-
rante a década de sessenta.
É
esta lógica evolutiva num
ambiente de estabilidade que
Vieira quer pôr em prática.
Os seus miúdos permitiram-
-lhe o respaldo financeiro que
hoje apresenta e quem o acusa ape-
nas o faz movido pela inveja, sobre-
tudo, agora, com tanta gente a esga-
danhar-se para ver se lhe tira o lugar.
Vieira escolheu Jesus para assu-
mir a retoma europeia e este, estan-
do diferente, como me assegura
quem o conhece bem, vai entender
que não pode olhar para uma pra-
teleira de brinquedos e querer todos.
Escolhe os melhores e chegado a
casa não deve fazer birra porque,
afinal, os que ficaram na prateleira
eram mais bonitos. Não, tem de es-
perar por outra oportunidade para
os adquirir, tal como no atual plan-
tel encarnado, claramente suficien-
te forte para triunfar nas contendas
internas e garantir a participação
na Liga dos Campeões, mas ainda
em construção. O que falta aconte-
cerá, naturalmente.
Vieira escolheu Jesus contra ven-
tos e marés e Jesus, que não quer re-
formar-se sem entrar, por mérito, no
clube exclusivo da elite europeia, sabe
que esse passaporte de excelência po-
derá o Benfica emiti-lo em seu nome.
to, de chamar à atenção, sem que
isso pareça um fardo.
Pelo que tenho visto e ouvido,
estou convencido que o sucesso
dessas ações passaria por criar ini-
ciativas mais práticas, de maior
proximidade ao adepto e de per-
manente contacto com clubes e
imprensa. É preciso chegar até eles
com frequência e de forma consis-
tente. Constante. Quase perma-
nente. Quanto mais informação,
menos discussão. Quanto mais es-
clarecimento, menos dúvidas.
Quanto maior a abertura, menor a
suspeita. É tão simples quanto isso.
Os tempos atuais são de enor-
míssima dificuldade para árbitros
de topo. O escrutínio é milimétri-
co e a pressão sobre eles é tremen-
da. Maior do que nunca. Para a
discussão acalorada e para o pala-
vrão desbocado, já chegam os lan-
ces dúbios, subjetivos e de inter-
pretação. Todos os outros,
absolutamente factuais, deviam
estar na ponta da língua de cada jo-
gador, treinador, dirigente, adep-
to e jornalista. Não é um desafio tão
difícil como parece.