Crusoé - Edição 124 (2020-09-11)

(Antfer) #1

escolhidos pelo presidente, defendendo o foro privilegiado para o hoje senador Flávio
Bolsonaro. Isso contraria completamente o discurso entoado na campanha. A gente
não vê no dia a dia do governo um combate firme ao caixa dois eleitoral, nem uma
agenda anticorrupção.


Qual a avaliação do sr. com relação à transparência do atual governo?
A gente percebe uma involução em matéria de transparência. Enquanto 130 países do
mundo firmaram um pacto contra a disseminação de fake news durante a pandemia, o
Brasil se negou a assinar. Isso é extremamente preocupante. E com o abandono da
agenda anticorrupção, a gente vê o governo no caminho exatamente contrário, ao
editar uma medida provisória que propôs a blindagem de corruptos por atos durante a
pandemia. A questão da punição efetiva ao caixa dois eleitoral, que o então ministro
Sergio Moro quis incluir no pacote anticrime, foi decapitada quando o pacote chegou
ao Congresso. Muitas outras iniciativas tiveram o mesmo destino. Você não percebe
por parte do governo federal uma ação concreta de combate à corrupção. Foi dito que
não haveria o toma-lá-dá-cá, mas o governo fez acordo com o Centrão para garantir
que o presidente escape de um possível impeachment. Muitos dos seguidores do
presidente, fiéis a essas bandeiras, o seguem qualquer que seja a sua agenda. E a
democracia propriamente dita não é o fio condutor de tudo isso.


E as manifestações antidemocráticas? Acha que representam um risco
real à democracia?
Eu chamaria de manifestação tirânica. Defesa de AI-5, espancamento de repórter, e
não ouvimos nenhuma manifestação de repúdio por parte do presidente. Em que lugar
estamos vivendo? Ele capitaneava a formação de um partido conhecido como o
“partido do presidente”, a Aliança pelo Brasil. Você não vê atitudes marcadamente
democráticas. Nós vivemos uma crise da democracia brasileira, infelizmente.


A Operação Lava Jato tem sido alvo de vários ataques, que culminaram
com a saída do procurador Deltan Dallagnol. Acredita que isso representa
o fim da operação?
Eu espero que a Lava Jato não tenha terminado. A Lava Jato tem uma dinâmica de
trabalho colaborativa, na forma de força-tarefa, e está sujeita apenas a decisões
administrativas da cúpula do Ministério Público. O procurador-geral da República não
é o dono do Ministério Público. Existem instâncias da administração superior. Há uma
demanda por parte da sociedade pelo combate à corrupção. Não se pode simplesmente
implodir a Lava Jato e não responder a essa demanda da sociedade. A vontade do
procurador-geral da República não é vontade única. Existem outros organismos na
instituição, existe a vontade da sociedade, o poder vigilante da mídia. Não há dúvida
alguma de que a Lava Jato está sob cerco.


Qual é a sua avaliação sobre a punição de censura imposta ao procurador
Deltan Dallagnol pelo CNMP?
Basicamente, as acusações feitas contra ele dizem respeito ao exercício da sua
liberdade de manifestação do pensamento. Todos têm esse direito no Brasil. Por que
os membros do MP não podem se manifestar? Eles são menos cidadãos? A meu ver, a

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